Faltam produtos e pressão sobre cadeias produtivas aumenta

Phillipe Moreau precisou recorrer à criatividade para manter as linhas de produção da Temahome em operação, após falta de madeira, resina e aço ter deixado metade dos 600 itens do catálogo da fabricante de móveis fora de estoque. 

“Improvisamos [com o que tínhamos]”, disse o executivo-chefe da fabricante francesa de mesas, prateleiras e racks. “Se não havia painéis pretos, trocávamos pelos de carvalho ou brancos.” 

Ao redor do mundo, fabricantes de quase tudo, de cristaleiras a carros e computadores, ainda sofrem com o aperto logístico que desestabilizou o fornecimento de insumos, colocando em risco a retomada e pressionando a inflação. 

Na Europa, essa escassez, somada à alta na demanda dos consumidores trazida pela reabertura, levou a inflação ao maior patamar em dez anos – um fator que pode levar o Banco Central Europeu (BCE) a reduzir nesta semana seu programa de estímulos de € 1,85 trilhão para enfrentar a pandemia. 

Os móveis, o mais recente setor a sentir o baque nas cadeias, exemplifica bem o problema. Mesmo gigantes, como a Ikea, foram afetadas. A fabricante sueca informou que “não pode prever” quando o abastecimento será retomado, pois há “tempestade perfeita de problemas”, que inclui até a falta de motoristas no Reino Unido. 

“Não temos a ingenuidade de achar que isso estará solucionado nas próximas semanas ou meses”, disse Henrik Elm, gerente de abastecimento global da Ikea. 

Um terço dos fabricantes de móveis da União Europeia (UE) sofre de falta de abastecimento, segundo a Comissão Europeia. Na esfera mundial, boa parte do impacto vem dos altos custos do frete marítimo e atrasos nas entregas em razão do fechamentos de portos asiáticos, em função da covid. 

O transporte é um “pesadelo”, no qual mesmo “um parafuso ou algum pequeno componente da Ásia pode levar três meses” para chegar, disse Moreau, da Temahome, que também preside a associação setorial de fabricantes de móveis da França. “Tivemos 16 contêineres enviados para os EUA em junho e julho, que ainda não haviam chegado em agosto. Os tempos de espera nos EUA dobraram.” 

O custo do transporte foi às alturas. As tarifas entre a China e a Europa quase septuplicaram em relação a agosto de 2020, de acordo com a firma de dados Freightos. 

Para driblar esse problema, a Ikea está transferindo parte do transporte para os trens. “Vamos usar o transporte ferroviário da China à Europa para liberar capacidade de contêineres e enviarmos mais aos EUA”, afirmou a empresa. 

Nos EUA, por sua vez, o abastecimento de madeira, normalmente transportada por caminhões pelos Estados do sul, foi interrompido pelo furacão Ida, semana passada. 

Ainda assim, o preço da madeira caiu pela metade desde o recorde de maio, embora continue acima do nível pré-pandemia. Outros setores têm menos sorte. Quase metade dos produtores de borracha, maquinário e computadores da UE, e a maioria dos fabricantes de equipamentos elétricos, sofrem falta de abastecimento. Quase 60% das montadoras são afetadas. 

Na Alemanha, onde a produção de carros está 30% abaixo do nível pré-pandemia, a Volkswagen planeja mais turnos para lidar com pedidos em atraso. Mas surtos na Ásia fecharam fábricas de semicondutores, atrapalhando planos. O problema atinge todo o setor. 

“Se você precisa receber mercadorias da Ásia, é difícil encontrar contêineres, e isso vem criando dificuldades”, disse Matteo Tiraboschi, vice-presidente executivo do Brembo Group, da Itália, que produz freios automotivos. A empresa, contudo, é favorecida por ter fornecedores locais, o que a coloca “em posição privilegiada”. 

Outros têm dificuldade para atender a demanda. Pesquisa da DIHK com empresas alemãs revelou que 83% registraram aumento nos preços ou problemas na entrega de matérias-primas em agosto. 

Isso tem consequências econômicas mais amplas. A falta de insumos para empresas como a Temahome, que vende em 45 países, restringe as exportações e contém o crescimento da região do euro. 

Ao mesmo tempo, a diferença entre encomendas e produção – que chegou a recorde em agosto – aumenta pressões inflacionárias. 

Em julho, preços aos produtores da UE tiveram alta anual de 12%, a maior desde 2001, e os preços ao consumidor subiram 3% em agosto, maior patamar em dez anos. 

Quando os problemas serão solucionados continua uma questão em aberto. A Volkswagen avalia que o abastecimento de chips de computador “continuará muito volátil” no terceiro trimestre. 

Ana Boata, da seguradora Euler Hermes, não espera normalização até 2023, dados dez anos de baixo investimento do setor de transporte marítimo. O executivo-chefe da APM Terminals, Morten Engelstoft, alertou para o “círculo vicioso” criado pelo aumento da demanda e disse que uma desaceleração no consumo seria necessária para o setor de transporte marítimo dar conta da necessidade de clientes. 

Outros são mais otimistas. Giovanni Arvedi, fundador e presidente da siderúrgica italiana Arvedi Group, disse que o mercado de aço “teve um baque no início do ano […] mas esse não é mais o caso”, já que altos-fornos foram reativados. 

A visão geral otimista é que a falta de insumos e mão de obra se abrandará à medida que a demanda nas economias ocidentais se recuperar, levando a uma recuperação que “simplesmente será mais difusa, e não a uma recuperação como um todo mais fraca”, segundo Bert Colijn, economista do ING. 

Isso foi corroborado na terça-feira, quando dados mostraram que a produção industrial da Alemanha subiu em julho. A visão pessimista sustenta que é cedo para conclusões – como mostrou a pesquisa Zew sobre expectativas. 

“Continuam as incertezas sobre como a estabilidade das cadeias e o enfrentamento à pandemia se darão, em especial na China, Europa e EUA”, disse, Andreas Möller, porta-voz da Trumpf, fabricante alemã de máquinas ferramentas. “Ambos são o calcanhar de Aquiles de nossos negócios pelo mundo”. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/09/08/pressao-sobre-cadeias-produtivas-e-amplificada.ghtml

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