As recentes medidas de restrição à compra de dólares por pessoas físicas e empresas aplicadas pelo governo da Argentina devem trazer renegociação mais intensa nos contratos de exportação brasileira ao país vizinho.
A maior demanda por dólares decorrente das medidas fez a desvalorização do peso argentino se acelerar, com depreciação acumulada no ano de 22,2% até sexta-feira considerando o “dólar mayorista”, usado pelos importadores argentinos.
A avaliação é de que o receio de inadimplência, combinada com a intensificação de medidas protecionistas argentinas, torne ainda mais fracos os embarques à Argentina e reduza as perspectivas de recuperação de volumes neste ano. As exportações ao país vizinho somaram US$ 5,94 bilhões de janeiro a setembro, o que representa queda de 22% contra iguais meses de 2019, o pior resultado para o período desde 2004. Entre os setores que relatam dificuldades maiores para exportar aos argentinos estão o automotivo e os fabricantes de máquinas, calçados e vestuário.
Entre as novas regras aplicadas há cerca de 15 dias, o Banco Central argentino estabeleceu imposto de 35% sobre compras no exterior com cartões de crédito e débito e foi limitado o acesso ao dólar a empresas que tenham dívidas superiores a US$ 1 milhão. Isso, diz Welber Barral, estrategista de comércio exterior do banco Ourinvest, aumentou a demanda por dólar e fez a moeda americana atingir 75 pesos argentinos na cotação oficial. Mas a moeda americana vale 130 a 140 pesos na Calle Florida, diz ele, referindo-se à famosa rua de Buenos Aires que reúne lojas, restaurantes e casas de câmbio. Há quem diga, diz ele, que no mercado paralelo o dólar deva chegar a 180 ou 200 pesos.
Isso, aponta Barral, se adiciona à queda grande de demanda na Argentina, mesmo antes da pandemia, já por conta da situação econômica deteriorada do país vizinho. Há ainda o efeito das medidas protecionistas que tentam dificultar desembaraço de mercadorias importadas em território argentino e assim ao menos adiar a saída de divisas, acrescenta Barral. “As renegociações são frequentes entre exportadores e importadores, mas a base já tem sido baixa há algum tempo”, diz Barral, ex- secretário de comércio exterior.
Para ele, as recentes medidas de controle de câmbio tornam mais remota ainda a recuperação de volumes das importações de produtos brasileiros pelos argentinos. Os grandes alvos das medidas restritivas como um todo, diz ele, são bens de consumo final. Insumos, muitas vezes necessários para a produção doméstica ou para exportação, explica, tendem a sofrer menos resistência à importação pelos argentinos.
O objetivo dos argentinos é gerar divisas para fortalecer as baixas reservas internacionais, diz Barral. No mesmo sentido, lembra, na última semana o governo argentino reduziu as “retenciones”, taxas cobradas na exportação. Isso deve contribuir para elevar a importação brasileira de produtos argentinos, mas o crescimento depende da demanda doméstica.
No setor automotivo há preocupação sobre uma restrição que vem sendo estudada pelo governo argentino para limitar a entrada de veículos fabricados fora do país. Integrantes da equipe econômica do governo argentino avisaram a dirigentes das montadoras que a ideia é limitar em 90 mil o número de veículos fabricados em outros países que poderiam entrar no mercado argentino entre julho e dezembro.
As medidas restritivas que atingem as exportações brasileiras de bens finais tem por objetivo proteger a indústria doméstica argentina, diz Fernando Pimentel, presidente da Abit, que reúne a indústria brasileira têxtil e de vestuário, um dos setores mais atingidos pelas chamadas licenças não automáticas, uma espécie de trava às importações aplicada pelo governo argentino. Os itens sujeitos às licenças foram ampliadas para 1.444 no governo do atual presidente, Alberto Fernández, eleito ao fim de 2019. Estão nesse rol bens que representaram 52% das exportações brasileiras no ano passado. No governo anterior eram 847 itens, que corresponderam a 18% das exportações de 2019.
A recente limitação para compra de dólares, diz Pimentel, acrescenta mais insegurança e certamente irá aumentar a cautela por parte dos exportadores brasileiros. Ele lembra que a Argentina se mantém como o maior mercado externo para o setor, apesar do encolhimento dos embarques de têxteis e vestuário ao país vizinho. De janeiro a agosto, lembra ele, o volume exportado ao mundo todo pelo setor caiu 8,4%, mas os embarques aos argentinos recuaram mais – 14%.
O setor de calçados é outro que vem sendo atingido pelas medidas restritivas de importação do governo argentino. Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados, que reúne a indústria calçadista, explica que atualmente o setor tem 98 mil pares de calçados que aguardam liberação de licença de importação não automática pelo governo argentino há mais de 60 dias. Esse é o prazo dado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para a expedição de licenças não automáticas.
Fora esse volume, diz Ferreira outros 501 mil pares aguardam também liberação de licenças ainda dentro do prazo regular estabelecido pela OMC. Há, porém, pouca esperança de que o desembaraço será liberado rapidamente, segundo ele. “O sentimento dos fabricante é de que esses 501 mil pares infelizmente devam também migrar para os casos de prazo estourado.” Essa é uma forma de fazer com que não haja compromisso de pagamento pelo importador argentino ao fornecedor brasileiro, explica Ferreira. Segundo ele, o levantamento de calçados aguardando liberação de licenças na Argentina é feito a cada 15 dias e esse foi o cenário do última pesquisa. Na próxima coleta de dados, avalia, já será possível verificar um aumento dos calçados retidos por falta de licença.
Segundo Ferreira, desde o início do ano, em razão da recessão no país vizinho, os importadores argentinos já vinham em intensa negociação para dilatar prazos de
pagamento aos fornecedores brasileiros. Quando isso acontece, a tendência, explica, é que a indústria reduza o volume de exportação porque há receio de inadimplência. Com a medida para restringir compra de dólares, diz ele, a tendência é que a situação se agrave daqui para frente, com quantidades cada vez menores de embarques à Argentina. “Isso num momento em que em outros países há uma tendência de retomada das importações.”
A Argentina, frisa Ferreira, é o segundo mercado externo de calçados brasileiros. De janeiro a agosto, o valor embarcado aos argentinos caiu 33,8%, num recuo muito próximo aos 32,7% da exportação total de calçados. Sem reação nas vendas de calçados ao país vizinho, porém, diz ele, os embarques à Argentina devem passar a cair mais que a média no curto prazo.
José Velloso, presidente-executivo da Abimaq, diz que a ampliação de itens sujeitos à licença não automática atingiu também o setor de máquinas e equipamentos. Segundo, ele, a indústria tem apontado maior burocracia na emissão das licenças e há relatos de que o documento tem levado mais de 120 dias para ser liberado. O valor exportado pelo setor aos argentinos caiu de US$ 470 milhões de janeiro a agosto do ano passado para US$ 390 milhões em igual período deste ano. Em 2017 esses embarques chegaram em iguais meses a US$ 880 milhões.