A morte de Ayman al-Zawahiri, líder da Al Qaeda, é o maior revés que essa facção sofre em uma década. É também uma vitória simbólica para o presidente Joe Biden, depois da desastrosa —e desastrada— retirada das tropas americanas do Afeganistão, que possibilitou o retorno do Talibã a Cabul.
O clérigo egípcio de 71 anos era, afinal, um dos grandes símbolos do projeto radical que culminou, em 2001, nos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos. A notícia vem em boa hora para Biden, e servirá como amuleto para a sua política externa, onde ele não tem brilhado tanto.
A morte de Zawahiri, porém, não tem o mesmo impacto da de Osama bin Laden, em 2011. Outrora, a Al Qaeda era a principal referência dos militantes que seguem uma interpretação violenta do islã, mas essa posição foi desde então tomada por grupos como o Estado Islâmico.
Não que Zawahiri não tivesse suas credenciais. Sua vida foi dedicada a movimentos radicais. Ainda na adolescência, entrou para a egípcia Irmandade Muçulmana. Em 1979, fundou o grupo terrorista Jihad Islâmica —foi inclusive preso por planejar um atentado contra o então presidente egípcio Anuar Sadat.
Foi só nos anos 1990 que Zawahiri se uniu à Al Qaeda, que tinha sido fundada pelo saudita Bin Laden. O clérigo era a espinha dorsal intelectual do movimento, e foi também um dos catalisadores da radicalização de Bin Laden.
Zawahiri ajudou a planejar uma série de atentados contra os EUA. Um deles foi o ataque às embaixadas no Quênia e na Tanzânia em 1998, que deixaram 224 mortos. O clérigo também estava envolvido no ataque a um navio americano no Iêmen em 2000, em que 17 foram mortos.
Seu crime de maior impacto foi a orquestração dos atentados de 11 de Setembro, motivo pelo qual se tornou uma das prioridades do combate ao terrorismo. Quase 3.000 pessoas morreram com o sequestro e a queda dos aviões que alvejaram o World Trade Center e o Pentágono. Os Estados Unidos ofereciam uma recompensa de até US$ 25 milhões (R$ 130 milhões) por ele.
Apesar de ocupar essa posição de destaque na imaginação americana, Zawahiri não tinha o mesmo impacto, nem simbólico nem pragmático, de Bin Laden.
O clérigo era conhecido por seus discursos e escritos longos —entediantes e pedantes—, mais do que por realmente inspirar as multidões. Foi em parte por essa carência de carisma que a Al Qaeda foi perdendo apelo com jovens terroristas. Os líderes do rival Estado Islâmico tomaram o controle da narrativa e foram capazes de atrair militantes para o Iraque e a Síria, onde chegaram a controlar parte do território.
Em setembro de 2021, Barak Mendelsohn, um dos grandes especialistas na Al Qaeda, disse à Folha que Zawahiri era incapaz de reconhecer que seu mundo tinha mudado. O exemplo, naquele momento, era a publicação de um tomo de 852 páginas sobre a história da corrupção no mundo islâmico. O clérigo estava em descompasso com as gerações mais novas, que outros grupos terroristas sabiam incitar com uma linguagem rápida e virtual marcada pela violência explícita.
Os grupos rivais também entenderam melhor que os planos de atacar os EUA podiam ser contraproducentes, porque costumavam resultar em represálias debilitantes, como a própria invasão americana ao Afeganistão em 2001. Com isso em mente, o EI concentrou esforços no combate aos governos da própria região e no estabelecimento de uma espécie de governo, algo que a Al Qaeda nunca fez.
A morte de Zawahiri é um baque para a imagem da Al Qaeda, mas essa organização já não tinha tanto apelo nem a mesma capacidade de ação. De certa maneira, os EUA ganham mais do que a facção perde. Barack Obama se gabou de ter matado Bin Laden e Donald Trump se vangloriou do ataque que levou Abu Bakr al-Baghdadi, líder do Estado Islâmico. Cabe a Biden cantar esta vitória, por ora.