Autoridades dos Estados Unidos e do Irã concluíram recentemente uma terceira rodada de negociações sobre o programa nuclear iraniano. Impedir o Irã de obter uma arma atômica é um objetivo compartilhado por sucessivos governos americanos e israelenses, mas a divergência sobre os métodos — negociação ou confronto direto — tornou-se um divisor de águas entre os dois aliados.
Desde a assinatura do JCPOA, o acordo nuclear de 2015 que impôs limites ao programa atômico iraniano, Binyamin Netanyahu nunca acreditou que a diplomacia pudesse conter a ameaça representada por Teerã. Para Israel, aceitar qualquer compromisso que mantivesse o regime relativamente próximo da capacidade nuclear sempre foi uma aposta inaceitável — e esse ceticismo agora mina a já frágil perspectiva de uma solução diplomática para o impasse nuclear.
Nas décadas de 1950 e 1960, Irã e Estados Unidos eram aliados estratégicos, enquanto Israel mantinha laços de cooperação com Teerã. Sob o programa Átomos para a Paz, Washington apoiou o desenvolvimento nuclear civil iraniano. A ruptura veio em 1979, com a Revolução Islâmica que depôs o Xá Reza Pahlavi e instaurou um regime hostil ao Ocidente. Nesse novo cenário, Irã e Israel romperam relações, e o antagonismo entre os dois países se intensificou. Ao longo dos anos, cresceu a suspeita de que o Irã buscava dominar o ciclo nuclear para fins militares.
Em 2013, os presidentes Barack Obama e Hassan Rouhani estabeleceram o primeiro contato direto de alto nível entre Estados Unidos e Irã desde a Revolução Islâmica de 1979. O diálogo culminou, em 2015, na assinatura do Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), que limitou de forma rigorosa o programa nuclear iraniano em troca da suspensão gradual de sanções econômicas.
Em 2018, ao retirar os Estados Unidos do JCPOA, Donald Trump reabriu o caminho para o rápido avanço do programa nuclear iraniano. Desde então, o Irã expandiu seu estoque de urânio enriquecido, inaugurou novas instalações e reduziu o nível de fiscalização internacional. Embora não se saiba se o Irã pretende de fato construir uma bomba, o que exigiria, além do urânio altamente enriquecido, o desenvolvimento de uma ogiva nuclear funcional, é certo que o país nunca esteve tão próximo de possuir essa capacidade caso decida avançar. Agora, no início de seu segundo mandato, Trump tenta renegociar sob pressão: o Irã está mais próximo da bomba, Israel ameaça agir militarmente e o risco de guerra regional cresce.
Apesar da postura errática, Trump vê nas negociações uma oportunidade política: ser reconhecido como o presidente que evitou uma guerra no Oriente Médio e que conseguiu um novo acordo nuclear onde seu antecessor, Joe Biden, fracassou. A pressa, porém, é um risco, já que foi estabelecido um prazo curto para fechar um novo acordo, e a ausência de clareza sobre os objetivos dos EUA — ora exigindo o fim total do enriquecimento, ora aceitando limites semelhantes aos do JCPOA — aumenta a incerteza.
O Irã já sinalizou disposição para discutir um acordo que envolva verificação rigorosa do uso pacífico de suas instalações nucleares, mas rejeita qualquer proposta que implique o desmantelamento total de seu programa. Embora o líder supremo, Ali Khamenei, continue profundamente desconfiado dos Estados Unidos, autorizou a retomada das negociações indiretas diante da crise econômica e dos riscos de instabilidade interna.
Benjamin Netanyahu defende a “solução Líbia” — o desmantelamento completo do programa nuclear, como ocorreu na Líbia em 2003. Para Teerã, essa proposta é inaceitável. A memória da queda e morte de Muamar Kadafi, poucos anos após o desmantelamento do programa nuclear líbio, reforça o temor de que renunciar às capacidades nucleares significaria expor o regime a ameaças existenciais.
A atual fragilidade do Irã, abalada por sanções e isolamento regional, é vista por Israel como uma oportunidade não apenas para conter seu avanço nuclear, mas também para enfraquecer o regime dos aiatolás. A experiência israelense de intervenção no Líbano contra o grupo Hezbollah reforça essa percepção.
Já os Estados Unidos, marcados pelas guerras no Iraque e no Afeganistão, encaram com cautela a perspectiva de uma ação militar e sabem que campanhas rápidas podem se transformar em conflitos prolongados. Além disso, atacar o Irã significaria enfrentar um país com peso regional e fortes vínculos com potências como China e Rússia, elevando o risco de um conflito de grandes proporções.
O tempo para uma solução política está se esgotando. Se as negociações fracassarem, aumentará o risco de um confronto militar que, além de espalhar instabilidade pela região, pode levar o Irã a acelerar seu programa nuclear rumo à capacidade militar.
E mesmo que um acordo venha a ser alcançado, restará uma incógnita central: Netanyahu aceitará um novo compromisso com o Irã ou fará como fez durante a gestão Biden, quando ignorou os apelos da Casa Branca e atacou o Líbano? Embora o custo de investir contra o Irã seja muito maior, as dissonâncias recentes entre Trump e Netanyahu, visíveis no último encontro entre os dois líderes, aumentam ainda mais a incerteza.
A estabilidade no Oriente Médio pode depender não apenas da assinatura de um novo acordo entre um presidente instável e um regime rival dos Estados Unidos, mas também da capacidade de Israel de aceitar um compromisso que, para Netanyahu, sempre foi visto como insuficiente para conter a ameaça iraniana
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