EUA e Europa divergem na forma de conter as gigantes de tecnologia

Qual a melhor forma de conter o poder desmedido das grandes empresas de tecnologia? As agências reguladoras devem atacá-las com tudo o que têm à mão e usar a legislação antitruste – apesar de ser imperfeita – para obrigá-las a se submeter? 

Ou devem tentar mudar totalmente as regras, na esperança de que exista alinhamento político (e angústia da sociedade) suficiente para impor uma nova forma de fazer negócios às corporações mais poderosas do mundo? 

Essas duas opções estão em discussão hoje nos dois lados do Atlântico. O procurador- geral do Texas, o republicano Ken Paxton – recém-saído de uma tentativa fracassada de anular os resultados da eleição presidencial dos Estados Unidos nos principais Estados indecisos -, posou na frente do Legislativo estadual esta semana para advertir as gigantes da tecnologia: “Não mexam com o Texas.” 

Enquanto isso, em Bruxelas e Londres, parece que os políticos tentam superar uns aos outros na corrida para aprovar leis abrangentes que mudariam a forma como as grandes empresas de tecnologia operam. As questões se ampliam a um ritmo vertiginoso. Há dois anos, quando a Europa se deu o poder de multar empresas em até 4% de sua receita anual em casos de violação da lei de privacidade, isso foi visto no Vale do Silício como um excesso regulatório. 

Mas nos dias de hoje isso parece uma ninharia. As agências reguladoras da União Europeia e do Reino Unido têm proposto o equivalente a 10% da receita mundial anual como multa potencial para uma variedade de pecados digitais. Para completar, o Reino Unido apresentou a proposta de bloquear as empresas de tecnologia que não consigam limitar “danos on-line” graves, embora não tenha entrado nos detalhes que explicariam o que levaria a tais medidas draconianas. 

Falar duro é uma boa maneira de políticos apaziguarem eleitores inquietos ou de agências reguladoras mostrarem aos seus chefes políticos que se dedicam ao assunto. Mas isso não significa necessariamente que se consiga uma boa lei, nem garante o consenso político necessário para uma mudança. 

Colocar limites sérios à maneira como as principais plataformas de tecnologia podem operar – o que inclui impedi-las de promover os próprios serviços – teria consequências de longo alcance para as empresas e os consumidores que passaram a confiar nelas. Isso é algo que as próprias empresas estarão ansiosas em apontar. Ameaças de retirar alguns serviços ou impor novas tarifas para os consumidores podem ser consideradas vazias. Mas quantos políticos se disporão a correr esse risco? 

Nos EUA, o governo Joe Biden terá de decidir se vai encarar esse mesmo problema. Um relatório do Congresso em setembro expôs as opções aos parlamentares, que em muitos casos fizeram eco às ideias que já se discutem na UE. Com uma lista assustadora de prioridades, ainda não está claro quanta disposição a nova Casa Branca terá para enfrentar as gigantes da tecnologia com legislação. 

No curto prazo, resta o cassetete das leis antitruste, ao qual as agências reguladoras americanas têm aderido com gosto. Os últimos dias do governo Donald Trump veem uma verdadeira corrida aos tribunais por parte de agências reguladoras federais e procuradores-gerais estaduais. Os processos chegam completos, com forte retórica política e teorias jurídicas bem argumentadas. Mas eles têm alguma chance de sucesso? 

As leis antitruste dos Estados Unidos, apesar de criadas antes da era digital, devem estar à altura da tarefa. A Seção 2 da Lei Sherman, de 1890 – que foi invocada contra o Google nesta semana -, expressa um poder considerável e abrangente. 

A questão é de evidências. Em particular: os promotores serão capazes de provar que houve intenção por parte das empresas de tecnologia de manter seus monopólios ilegalmente? Os problemas que a Microsoft teve nessa área nos EUA há duas décadas se devem às evasivas de Bill Gates no depoimento que prestou ao tribunal, junto com uma única linha em um e-mail de outro executivo sênior: a que dizia que a Microsoft deveria “asfixiar o Netscape”. 

Não está claro se haverá provas suficientes para vencer. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/12/18/eua-e-europa-divergem-na-forma-de-conter-as-gigantes-de-tecnologia.ghtml

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