Em novo livro, Obama aborda dilemas da Presidência

Pouco antes de Barack Obama deixar a Casa Branca, ele se encontrou com a veterana executiva editorial Rachel Klayman em seu escritório em Washington para discutir suas ideias para um livro de memórias sobre sua Presidência. 

Klayman, que editara o último livro de Obama, “The Audacity of Hope” (“A Audácia da Esperança”), disse que o ex-presidente tinha um plano. “Ele escreveu em blocos de anotação, à mão, um esboço bastante lúcido e detalhado da maior parte do que ele queria fazer”, disse Klayman, editora executiva do Penguin Random House, do grupo editorial Crown. “Ele tinha um projeto desde o início.” 

Mesmo assim, Obama levou dois anos e meio a mais que esperava para terminar seu aguardado livro de memórias, e o projeto cresceu tanto que ele teve que dividi-lo em dois. O primeiro volume, “A Promissed Land” (“Uma terra prometida”, Companhia das Letras), será lançado amanhã nos EUA. 

Transformar grandes eventos, como a maneira como seu governo lidou com a crise financeira ou as negociações de armas nucleares em uma narrativa convincente, e ao mesmo tempo fazer justiça a todas as nuances, foi um desafio. 

Obama também teve que decidir até que ponto, se fosse o caso, lidaria com o legado de Donald Trump em um livro sobre seu tempo na Casa Branca. No fim, limitou-se ao período pré-Trump. 

Como autor de um best-seller antes de se tornar presidente, as expectativas sobre Obama são grandes. É uma questão em aberto no mundo editorial se ele venderá mais do que sua esposa, a ex-primeira-dama Michelle, cujas memórias “Becoming” (“Minha história”, Objetiva) já venderam mais de 14 milhões de cópias no mundo. 

O livro de Obama chega em um ano em que listas de best-sellers de não ficção foram dominadas por títulos políticos como “Too Much and Never Enough” (“Demasiado e nunca suficiente”), de Mary L. Trump, “The Room Where It Happened: A White House Memoir” (“A sala Onde Aconteceu: Memórias da Casa Branca”), do ex- assessor de segurança de Trump, John Bolton, e “Rage” (“Raiva”, Todavia), de Bob Woodward. Em outubro, o rastreador de livros NPD BookScan disse que 2020 estava prestes a ser tornar o grande ano para títulos políticos desde 2004. 

Estima-se que a controladora da Penguin Random House pagou US$ 60 milhões pelos direitos autorais globais do casal Obama. A demanda inicial para “Uma terra prometida” foi tão grande que a Crown aumentou a tiragem da edição em capa dura para 3,4 milhões de cópias, de 3 milhões originalmente. O livro está em 1o lugar na lista de best-sellers da Amazon e da BarnesandNoble.com. 

A Crown não disponibilizou uma cópia antecipada do livro. Klayman disse que Obama “queria fazer um relato honesto de sua Presidência e também escrever sobre a experiência de ser presidente. Essas são duas coisas diferentes”. 

No livro, Obama relata o caminho que percorreu quando jovem e parte de seu primeiro mandato, com reflexões sobre temas como a Primavera Árabe e a decisão de enviar mais tropas ao Afeganistão. Também escreve sobre a experiência como pai e marido. 

Obama escreveu o primeiro rascunho à mão, que segundo ele resulta num trabalho de melhor qualidade do que um computador. Ele começou no início de 2017 e esperava concluí-lo em um ano. 

“Além da luta para colocar palavras em uma página, o que eu não previ totalmente foi a maneira como os eventos se desenrolariam durante os mais de três anos e meio que se passaram desde aquele último voo do Air Force One”, escreveu Obama em um trecho adaptado de seu livro para a revista “Atlantic”. Ele citou a covid-19 e a crise econômica, os protestos por justiça racial e o que descreveu como crise que “permitiu uma violação das normas institucionais”. 

O livro menciona o presidente Trump apenas no fim, segundo Klayman, principalmente no contexto de Trump endossar e reviver uma teoria da conspiração sobre o local de nascimento de Obama e como a mídia destacou o assunto. 

“Ele [Obama] passou por longos períodos em que escrevia todos os dias e períodos em que precisava respirar fundo e pensar se estava no caminho certo”, disse Klayman. 

Um trecho publicado na revista “New Yorker” sobre a pressão de Obama pela Lei Federal de Assistência Médica Acessível (mais conhecida como Obamacare) lança luz sobre essa batalha legislativa. Obama explora os esforços anteriores para expandir os cuidados de saúde, incluindo um defendido por Theodore Roosevelt em 1912. 

Obama também aborda arrependimentos, como não prestar atenção à eleição de 2010, quando a cadeira vaga com a morte do senador democrata Ted Kennedy foi para o republicano Scott Brown. 

A Crown diz que nunca houve planos de publicar “Uma terra prometida” antes da eleição presidencial de 2020. “Não queríamos que isso nos distraísse da eleição”, disse Klayman. “Ele [Obama] também sabia que faria campanha para o candidato democrata, e essa tinha que ser sua prioridade.” 

O presidente eleito, Joe Biden, é mencionado ao longo do primeiro volume. “Em várias partes do livro, ele [Obama] mostra que valorizava a honestidade e a disposição de Joe de ir contra a sabedoria dominante”, disse Klayman. Obama escreve que escolheu Biden como seu vice em parte por causa de seu caráter e experiência em política externa. 

O livro traz episódio em que Biden expressou preocupação sobre o plano que acabou matando o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, em maio de 2011. Obama escreve que Biden recomendou adiar o ataque até que houvesse mais informações, segundo Klayman. 

Obama tem um sólido histórico como autor. Ele desenvolveu sua voz narrativa ao escrever o livro de memórias de 1995 “Dreams from My Father” (“Sonhos do Meu Pai”), reflexão sobre sua vida como filho de pai negro africano e mãe americana branca. “Ele era um escritor antes de ser presidente”, disse David Litt, ex-redator de seus discursos. “Entende o valor da história.” 

Obama empacou quando tinha escrito dois terços de “Dreams from My Father” e foi abandonado pela editora, mas um selo da Penguin Random House o comprou por US$ 40 mil. “Vimos um homem que, uma vez superado o problema, controlava o processo”, disse Peter Osnos, que adquiriu e publicou o livro de memórias, que vendeu mais de 3,3 milhões de cópias em todos os formatos nos EUA e no Canadá. 

Obama trabalhou em seu livro seguinte, “The Audacity of Hope”, quando era senador em Washington. Muitas noites, após um jantar típico de salmão, brócolis e arroz integral, ele se sentava para escrever por volta das 21h30 e continuava até o amanhecer, disse David Katz, ex-assessor do Senado. 

As memórias presidenciais estão fadadas a ser best-sellers, mas nem todas são um sucesso com os críticos. Para alguns críticos, os ghostwritters de Ronald Reagan, que escreveram seu livro de memórias “An American Life” (“Uma Vida Americana”), capturaram muito pouco de seu personagem. 

“Barack é um escritor”, disse Osnos. “O problema de tantas figuras políticas é que querem um livro, mas não sabem escrever.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/11/16/em-novo-livro-obama-aborda-dilemas-da-presidencia.ghtml

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