Na cúpula de dois dias voltada para a unidade do Oriente Médio, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, espera conquistar o apoio dos principais diplomatas da região para outra causa: ajudar a Ucrânia a repelir a invasão da Rússia.
A cúpula organizada às pressas no deserto de Negev foi anunciada como um evento histórico, projetado para mostrar crescentes laços diplomáticos e econômicos entre alguns estados árabes e Israel que Blinken chamou de “impensáveis há apenas alguns anos”. Mas o mais importante em sua agenda era o modesto apoio à Ucrânia entre os países da região que também têm laços com a Rússia.
“Isso é parte da conversa que tivemos e terei ao longo de minha visita aqui, com nossos parceiros”, disse Blinken ontem em Jerusalém durante uma entrevista coletiva com o ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid.
Blinken elogiou a ajuda humanitária de Israel à Ucrânia, incluindo o auxílio a refugiados e enviando um hospital de campanha para a zona de conflito. Blinken também observou o papel de Israel na tentativa de negociar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, um dos poucos países ainda capazes de fazê-lo, para acabar com a crise, mesmo que tenha condenado a invasão.
Mas, até agora, Israel não enviou armas para a Ucrânia nem se juntou a uma ampla coalizão de países em todo o mundo, incluindo as sete maiores nações industrializadas, na imposição de duras sanções econômicas para isolar a Rússia e dificultar sua posição de guerra.
Israel compra cerca de US$ 1 bilhão em carvão, trigo, diamantes e outros bens russos anualmente e, em 2020, enviou cerca de US$ 718 milhões em produtos agrícolas para a Rússia, segundo o Observatório de Oportunidades Econômicas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Israel também coordena com a Rússia para evitar conflitos militares diretos, mas não intencionais, na vizinha Síria, onde soldados iranianos ou seus combatentes procuram ameaçar o Estado judeu.
Lapid chamou as relações entre os EUA e Israel de “inquebráveis”, mas observou divergências sobre as tentativas do governo Biden de retornar a um acordo nuclear com o Irã e abrir um consulado diplomático para palestinos em Jerusalém.
Ao tentar manter relações com a Rússia em um cenário de guerra, Israel não está sozinho no Oriente Médio.
A Rússia exporta ainda mais mercadorias para o Marrocos do que para Israel, totalizando cerca de US$ 1,35 bilhão em carvão, petróleo e produtos químicos em 2020.
Marrocos, que participa da cúpula celebrando os chamados Acordos de Abraão com Israel, tentou permanecer imparcial desde a invasão e afirma que quer ajudar a mediar a crise mantendo uma comunicação aberta com a Rússia e a Ucrânia.
Marrocos também quer impedir a Rússia de armar diretamente a Frente Polisario, o grupo pró-independência no Saara Ocidental.
“As relações de Marrocos com a Rússia são muito antigas e remontam a vários séculos”, disse Ahmed Faouzi, ex-diplomata marroquino de alto escalão, em entrevista. “A ideia é não agravar a situação”, disse Faouzi. “É necessário que outros países encontrem um terreno comum. A guerra total não beneficia ninguém.”
Blinken viajará para Marrocos no final desta semana, sua primeira visita lá como secretário de Estado. Enquanto estiver lá, ele também deve se encontrar com o príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed, que se recusou no mês passado a denunciar a invasão da Rússia ao se abster de uma resolução apoiada pelos EUA no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A nação do Golfo Pérsico também evitou os pedidos dos EUA para aumentar a produção de petróleo para os mercados europeus que dependiam da energia russa. Os Emirados compram armas militares de Moscou e deram refúgio a oligarcas russos e outros intimamente ligados a Putin que se mudaram para Dubai para escapar das sanções internacionais.
A desconexão sobre a Rússia representa o mais recente sinal de relações desgastadas entre Washington e os Emirados, que começaram a esfriar quando o presidente norte-americano, Joe Biden, deixou claro que o Oriente Médio não seria uma prioridade de política externa para seu governo. Em vez disso, procurou se concentrar nas complexas relações dos Estados Unidos com a China e, mais recentemente, em dissuadir a Rússia.
Este mês, o embaixador dos Emirados em Washington descreveu um “teste de estresse” em andamento entre os Emirados Árabes Unidos e os Estados Unidos, causado em parte pelas negociações renovadas do governo Biden por um acordo nuclear com o Irã e por uma disputa sobre uma venda de armas de US$ 23 bilhões que teria enviado aviões de guerra americanos avançados para os Emirados Árabes Unidos. O embaixador Yousef al-Otaiba descreveu “dias fortes em que o relacionamento é muito saudável e dias em que o relacionamento está em questão”.
O Bahrein, um dos signatários originais dos Acordos de Abraão, também procurou caminhar na linha da neutralidade entre a Rússia e a Ucrânia. O reino rico em energia votou a favor da resolução do Conselho de Segurança que denunciou a invasão. Mas também continua conversando com a Rússia na esperança de encontrar uma saída para a guerra, incluindo em um telefonema entre Putin e o rei Hamad bin Isa al-Khalifa há duas semanas.