Controle de armas impulsiona jovens a votarem nos EUA

A estudante Madison Tittle, 17, já sabe o que quer de presente no seu próximo aniversário: registrar-se para votar nas eleições dos Estados Unidos.
“Todos me perguntam: ‘E aí, vai fazer uma tatuagem, colocar um piercing?’. E eu: ‘Claro que não, vou me registrar para votar’”, disse à Folha.
Moradora do estado do Colorado, a adolescente completará 18 anos quatro dias antes das eleições americanas, em 6 de novembro. O resultado deve renovar boa parte do Congresso, além dos governos e de legislativos estaduais.
No Senado, estão em disputa 35 assentos, ocupados hoje por 26 democratas e 9 republicanos. A Casa é dominada pelo partido de Donald Trump por uma margem estreita: 51 ante 49 assentos da oposição.
Na Câmara dos Deputados, também com maioria republicana, as 435 cadeiras estão em disputa, mas, na prática, só 48 são consideradas competitivas. Os democratas precisariam conquistar 24 assentos hoje detidos por republicanos para mudar o comando.
E a grande aposta para conseguir isso está no voto dos millennials e da geração Z, como são conhecidos os nascidos a partir dos anos 1980. É uma população de quase 80 milhões nos EUA —peso que já se equivale ao dos 78 milhões de baby boomers, nascidos após a Segunda Guerra.
Em um país onde o voto não é obrigatório, esses eleitores devem ter papel decisivo em novembro, levando em consideração os dados mais recentes disponíveis.
A expectativa nos EUA é que a participação de jovens entre 18 e 29 anos supere a média histórica de 20% —especialmente com o recente clamor em prol do controle de armas.
“Se eles comparecerem para votar, [seu papel] será primordial. Se não comparecerem, também”, disse o analista político John Zogby, durante evento recente em que comentou o financiamento de campanhas eleitorais.
É a mesma leitura de David Andersen, professor-assistente do departamento de ciências políticas da Universidade Estadual de Iowa. “Pode ter um impacto enorme. Deve ser a primeira eleição desde 1980 em que os baby boomers não serão mais a maior parcela do eleitorado.”
E o resultado pode refletir as mudanças geracionais. 
O perfil desse eleitorado é diferente —quase metade não é branca, por exemplo, média superior aos 40% não brancos da população americana em geral—, e a própria relação com a política é mais contestadora que a dos mais velhos.
O controle de armas é um dos temas em que a diferença fica marcada. “Isso é o Pearl Harbor desta geração”, afirma Zogby, em referência ao ataque japonês à base no Havaí em 1941 que levou os EUA a entrar na Segunda Guerra.
Estudantes que sobreviveram a um ataque em uma escola em Parkland, na Flórida, em fevereiro deste ano, viraram os principais nomes de um movimento para impulsionar os jovens a votar. Nestas férias de julho, eles percorreram o país de ônibus promovendo marchas e eventos cujo principal objetivo é registrar novos eleitores.
Esses jovens também não se identificam com os temas tradicionais de campanhas, avalia Andersen, da Universidade de Iowa. Logo, falar de Medicare (programa federal de saúde), aborto e corte de impostos não tem tanta aderência quanto defender saúde e emprego para todos, como fez Bernie Sanders, pré-candidato à Casa Branca em 2016.
“Eles nasceram em um mundo em que os EUA eram a maior potência mundial”, lembra. “No meio do caminho, enfrentaram uma grave crise econômica, falta de emprego, salários ruins e precisam lidar com um cenário em que não conseguem se formar porque não têm dinheiro para pagar os empréstimos estudantis.”
 
São eleitores que, a princípio, não encontram alinhamento com as propostas republicanas, pouco dedicadas à temática social.
“É uma geração que, em média, dá vantagem de dez pontos aos democratas, porque tende a ser mais progressista que outros eleitores”, afirma Maggie Thompson, diretora-executiva do Generation Progress, organização que trabalha com jovens para promover soluções em temas sociais e políticos.
O comparecimento desses jovens aos centros de votação será decidido pela capacidade dos candidatos de abordarem temas que importam a eles, mas também pela identificação que eles tiverem com os políticos que disputam os assentos, complementa.
Como Alexandria Ocasio-Cortez, que derrotou um político de longos anos nas primárias de Nova York, Joseph Crowley, com uma campanha de baixo orçamento e um discurso social.
Nos EUA, os eleitores podem votar a partir dos 18 anos e precisam se registrar até poucos dias antes da eleição (a depender do estado).
Mas o percentual de jovens de até 29 anos que aparecem para votar é pequeno: historicamente, está em torno de 20%. A média geral é de 40% —que nas eleições presidenciais aumenta para 60%.
“O problema nos EUA é que o número de jovens que participam é muito baixo. Se eles realmente votassem no mesmo percentual que os mais velhos, eles controlariam as eleições. Mas motivar esses eleitores é difícil”, diz Jeff Weaver, responsável pela campanha do democrata Sanders.
Para ele, se esses jovens forem convencidos a participar, terão papel importante. “Eles são progressistas, e atraí-los muda a natureza do eleitorado, e é algo que temos de fazer.”
Sam Friedlander, 26, é um dos que tentam despertar o interesse político de jovens como ele. “Meus amigos ainda não estão muito interessados em política. Eu e meu irmão somos mais interessados. Eu fiquei mais engajado ainda após as eleições de 2016.”
Para ele, que está desempregado, Sanders tocava em temas que interessam mais aos millennials, e o Partido Democrata precisa corrigir sua rota e perceber isso. 
“Trump vai ficar no poder por mais dois anos, e daí? Essa jovem aqui [Alexandria Ocasio-Cortez] está falando de coisas que realmente me afetam. O Partido Democrata vai sobreviver se voltar aos assuntos que nós queremos, se sair desse argumento mais vazio.”
A estudante Madison Tittle também tenta alistar novos eleitores. Recentemente, participou de dois eventos em sua escola com esse objetivo. Foi a única estudante de Colorado Springs que participou do treinamento do governo para colher oficialmente os dados dos interessados. Registrou pouco mais de 200 alunos.
“Não sei se minha geração tem consciência do impacto que poderá causar ao ir votar. Mas estou esperançosa.”
Dados recentes indicam que o percentual de jovens entre novos eleitores cresceu, em média, 2% desde o ataque a tiros em Parkland, segundo a consultoria TargetSmart. Em alguns estados, como Pensilvânia, esse percentual chegou a 16%. Lá, 61% dos novos eleitores têm entre 18 e 29 anos.
Pesquisa anual do Instituto de Política de Harvard revelou que o tema do controle de armas foi citado por jovens eleitores como a segunda causa mais importante a definir seu voto. Mas a economia ainda é o mais importante —e ela vai bem no governo Trump.
A taxa de desemprego é de 3,9%, e a previsão é que o país cresça 3% neste ano.
Para Zogby, o desempenho da economia pode pesar igualmente na balança. “Isso pode amortecer o voto anti-Trump ou o entusiasmo dos jovens para votar. É algo a observar.”

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/08/controle-de-armas-impulsiona-jovens-a-votarem-nos-eua.shtml

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