Computador quântico ‘supremo’ do Google é contestado

Cálculo que levaria 10 mil anos a ser resolvido foi solucionado pelo computador do Google em 3 minutos e 20 segundos, mas a IBM contesta a alegação da gigante da internet
Um avanço científico revolucionário que representa o alvorecer de uma segunda era da computação? Ou uma pesquisa altamente chamativa, mas com poucas aplicações práticas?
Pesquisadores do Google dizem ter produzido o primeiro computador quântico com capacidade de cálculo muito superior à do mais potente dos computadores construídos por meios tradicionais, ou “clássicos” – um feito há muito aguardado, conhecido como “supremacia quântica”.
O “marco”, como foi chamado pelos pesquisadores do Google, “prenuncia o advento de um paradigma na computação há muito desejado”. Ao controlar os efeitos quânticos exibidos por partículas subatômicas, esses sistemas têm o potencial (pelo menos, na teoria) de dar um grande salto à frente dos atuais supercomputadores.
Nem todos, no entanto, estão convencidos de que se trata de um ponto de inflexão para a ciência da computação. O que o Google está reivindicando é “indefensável – está simplesmente errado”, diz Dario Gil, chefe de pesquisa da IBM, um dos concorrentes na corrida para chegar à computação quântica.
Embora ele reconheça alguns dos avanços técnicos do Google, ele considera “grandiosismo” a reivindicação da empresa, de que este seria um divisor de águas para computação.
A pesquisa é só “um experimento de laboratório projetado para essencialmente – e quase certamente, exclusivamente – implementar um procedimento de demonstração quântica muito específico, sem aplicação prática”, disse.
Outros que trabalham no campo, contudo, mostram-se mais dispostos a aceitar a reivindicação do Google. A pesquisa deles é “profunda”, disse Chad Rigetti, ex- executivo da IBM, que agora comanda uma startup de computação quântica. “Atingir esse marco é muito importante para a indústria. É um grande momento para os seres humanos e para a ciência”.
O Google reivindicou o feito em estudo chamado “Supremacia Quântica Usando um Processador Supercondutor Programável”. Noticiado primeiro pelo “Financial Times”, o estudo ficou no ar por breves momentos na semana passada em um site da Agência Nacional da Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (Nasa, na sigla em inglês), antes de ser removido. A empresa não divulga quando o estudo vai ser publicado formalmente.
Diferentemente dos bits em computadores digitais tradicionais, que representam 1 ou 0, os bits quânticos (conhecidos como qubits) podem ser ambos ao mesmo tempo. Combinado a outro fenômeno quântico conhecido como “entrelaçamento”, por meio do qual qubits podem influenciar outros qubits com os quais nem estão conectados, isso permite vislumbrar um caminho para sistemas capazes de resolver problemas imensamente mais complexos.
Parte da controvérsia no mundo da computação já começa no termo “supremacia quântica”. Cunhado em 2010 pelo físico teórico John Preskill, o termo denota o momento em que um sistema construído usando a nova tecnologia consegue solucionar um problema que, para todos os fins práticos, seria impossível de ser resolvido mesmo pelo mais poderoso dos supercomputadores.
O uso do termo na pesquisa implica que, a partir de agora, os computadores quânticos seguiriam uma linha ascendente – algo que praticamente garante o tipo de polêmica já sendo fomentada pela afirmação do Google.
Os próprios pesquisadores do Google temiam que reivindicar essa “supremacia” os faria parecer arrogantes, segundo uma fonte próxima à companhia. Eles consideraram criar uma frase diferente para identificar o feito, mas acabaram voltando ao termo normalmente usado.
A demonstração da supremacia quântica pelo Google foi baseada em um teste técnico básico. Criou-se um sistema capaz de provar que os números produzidos por um gerador de números aleatórios eram realmente aleatórios. O chip quântico que construíram para esse propósito, apelidado de Sycamore, resolveu o cálculo em 3 minutos e 20 segundos. Os pesquisadores estimaram que o supercomputador mais potente do mundo levaria 10 mil anos para chegar ao mesmo resultado.
Por trás dessa demonstração limitada, há uma série de avanços técnicos revolucionários que vão ter aplicações muito mais amplas, sinalizando o caminho para uma computação quântica plena, dizem especialistas como Rigetti, que viu a pesquisa.
Todos os sistemas quânticos rudimentares de hoje sofrem em função da dificuldade de controlar os qubits nos quais se baseiam. Esses sistemas apenas conseguem manter seus estados quânticos por pequenas frações de segundo, de forma que corrigir os erros é o maior problema para produzir sistemas que sejam de fato úteis. Os que os pesquisadores do Google estão dizendo é que conseguiram fazer o suficiente para produzir resultados observáveis.
De acordo com Daniel Lidar, professor de engenharia na University of Southern California, a verdadeira inovação foi reduzir enormemente o grau em que os qubits interferem uns nos outros – um problema conhecido como “diafonia”, uma espécie de conversa cruzada entre eles. Dessa forma, os pesquisadores do Google conseguiram atingir uma “fidelidade” em seu sistema de 0,1%. Embora aparentemente seja pouco, isso ainda representa “taxas de erro muito baixas em relação ao que outras equipes construíram”, disse Lidar.
O Google também conseguiu mostrar que os erros em seus sistemas eram distintos e não correlacionados entre si, acrescentou Lidar – uma indicação de que as técnicas de correção de erro que usou algum dia vão ser aplicáveis em sistemas muito mais complexos.
“Eles demonstraram um caminho para a computação quântica expansível”, disse Lidar. “Uma vez que você tenha um computador quântico com total correção de erros, o céu é o limite”.
De acordo com Gil, da IBM, contudo, o sistema do Google é uma peça de hardware especializada construída para lidar com um problema único e está longe de ser um computador realmente programável de fins gerais. É algo “bem específico para executar esse programa bem arbitrário”, disse.
Isso significa que a demonstração da supremacia quântica pelo Google não é “o início da jornada” rumo a uma computação quântica plena, acrescentou. Ele reivindica essa distinção para os próprios trabalho da IBM no campo.
Enquanto a pesquisa do Google está confinada à ciência de laboratório, a IBM vem trabalhando com várias empresas para tentar desenvolver as primeiras aplicações para a tecnologia. A firma vem usando sistemas quânticos que não foram projetados para demonstrar a supremacia, mas para tentar superar um obstáculo mais baixo, conhecido como “vantagem quântica” – conseguir que tecnologia tenha usos práticos a ponto de que se prefira usá-la para resolver problemas em vez de sistemas clássicos.
Lidar, entretanto, diz que embora o sistema do Google ainda não possa ser plenamente controlado, é programável. Matt Ocko, investidor de capital de risco que financia várias startups da área, comparou o avanço à “máquina analítica” projetada pelo matemático Charles Babbage, no início do século XIX. Embora seja, na teoria, um sistema de fins gerais capaz de realizar diferentes tarefas, o hardware da máquina precisa ser configurado para realizar um cálculo em particular.
Encontrar formas de programar o sistema é apenas uma das tarefas à frente, de forma que a computação quântica ainda está a anos de distância de ter usos práticos. Ocko, sócio da Data Collective, em San Francisco, diz que, ainda assim, a demonstração do Google é uma validação importante para as pessoas investindo no campo.
Embora a IBM tenha esperanças de levar a computação quântica para o mundo prático empresarial em dez anos, o Google tem objetivos mais ambiciosos. Espera dar o salto suficiente para resolver problemas fora do alcance dos computadores atuais, como o enovelamento de proteínas ou a criação de novos materiais para, por
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/09/24/computador-quantico-supremo-do-google-e-contestado.ghtml 5/8
24/09/2019 Computador quântico ‘supremo’ do Google é contestado | Empresas | Valor Econômico
exemplo, produzir sistemas de energia solar mais eficientes. Almeja que a demonstração da supremacia quântica seja o primeiro passo nessa direção.
Isso, contudo, pode não ser o fim da estrada para os atuais supercomputadores do mundo na corrida para se chegar ao sistema de computação mais potente. Especialistas, como Lidar, ressaltam que novas técnicas de programação dessas máquinas “clássicas” podem permitir-lhes igualar o feito do Google. Pelo menos por enquanto, porém, o Google permanece incontestado no topo da computação mundial.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/09/24/computador-quantico-supremo-do-google-e-contestado.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação