Como será a próxima crise do euro

Esta não é uma previsão. Mas considero ser um cenário plausível. Após o alívio inicial em vista do acordo emergencial fechado na semana passada pelos ministros das Finanças da União Europeia (UE), os investidores vão examinar a letra miúda e vão concluir que o pacote de socorro financeiro não terá qualquer impacto macroeconômico. 

Os principais elementos do acordo foram uma linha de crédito concedida pelo Mecanismo de Estabilização Europeu (ESM, nas iniciais em inglês), respaldo do Banco Europeu de Investimento na área de financiamento e resseguro para programas nacionais de desemprego. 

O conflito em torno de se o empréstimo do fundo de socorro financeiro do ESM deveria vir acompanhado de cláusulas condicionantes ou não será esquecido. A Itália não quer um empréstimo, de qualquer maneira. Giuseppe Conte, o premiê do país, concluiu que seu governo não sobreviveria à humilhação. Seja como for, o Banco Central Europeu (BCE) fez o suficiente para evitar uma crise soberana de liquidez neste ano. O programa de compras emergenciais do BCE voltado para a pandemia fala mais alto do que qualquer outra coisa. 

O único programa em discussão que poderia ter um impacto econômico é o fundo de recuperação pós-crise. Após os dirigentes da UE terem passado a bola para os ministros das Finanças, eles a devolveram. O texto pactuado pelo Conselho Europeu menciona um fundo de recuperação, ao lado de uma referência a instrumentos financeiros inovadores (isso tem diferentes significados para diferentes pessoas). Mas nada foi aprovado. O impulso em favor dos “coronabônus” como instrumento de captação de recursos para o fundo pode estar perdendo força. 

Minha expectativa agora é a de que o Conselho Europeu vai, em vez disso, acabar alcançando consenso em torno de um pequeno fundo de recuperação originário do orçamento 2021-2027 da UE, com as habituais declarações exageradas sobre o quanto essa quantia pode ser alavancada. A principal função de um fundo de recuperação será a de um recurso voltado para captar a atenção para instituições europeias ociosas que não têm qualquer impacto econômico sobre uma economia de € 12 trilhões. 

Ficamos, assim, com políticas fiscais nacionais e apoio do BCE. Meu pressuposto básico é o de que o impacto econômico da crise será maior que o estimado por alguns especialistas em previsões. Os institutos econômicos alemães geraram seu prognóstico conjunto de uma queda, pouco provavelmente exata, de 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional neste ano, seguida por um aumento de 5,8% em 2021 – a perfeita recuperação em forma de V. Se eles estiverem certos, e se isso se traduzir para a zona do euro como um todo, está tudo resolvido. Não haverá crise nem necessidade de medidas extraordinárias para além das que já foram adotadas. 

Mas eu acho que eles estão enganados. Essas previsões não estão considerando no cálculo os efeitos de rede mundiais das medidas radicais de isolamento social, o impacto duradouro sobre setores, como o de transporte e o de turismo, e uma possível segunda onda de contaminações no inverno (de dezembro a março, no Hemisfério Norte). Meu cenário pressupõe uma queda do PIB da zona do euro mais próxima de 10% neste ano, com o desempenho da Alemanha mostrando-se um pouco melhor do que a média e o de Itália e Espanha, pior. Meu cenário também parte do princípio de que a economia alemã vai se recuperar moderadamente em 2021, enquanto as dos países do sul da Europa vão se recuperar menos. 

A combinação de dívida crescente e PIB em queda elevará a relação dívida sobre PIB da Itália dos atuais 135% para entre 160 e 180%. 

A maioria dos membros do conselho diretor do BCE sempre apoiará a economia da zona do euro em um momento de crise. Mas eu não apostaria no financiamento indefinido de países altamente endividados pelo BCE. Os programas de emergência do BCE acabarão. As pessoas podem começar a se lembrar do lapso verbal cometido por Christine Lagarde no mês passado. A presidente do BCE pode ter de fato falado sério quando disse que a função do banco não é fechar “spreads”. Há poucas pessoas no conselho diretor do BCE que acreditam exatamente nisso. 

Em algum momento, as agências de classificação de risco ou os investidores podem começar a questionar a solvência da Itália. A questão não é apenas o volume total de papéis pendentes, mas também a baixa taxa de crescimento da economia do país. Esta é a terceira recessão sofrida pela Itália desde 2008. A cada vez a economia saiu mais fraca. Diante disso, e se as agências de classificação concluírem que a Itália não conseguirá honrar sua dívida pendente e lhe aplicar rebaixamentos sequenciais de classificação de crédito? 

Imagine se isso acontecer em 2021 ou 2022, pouco antes da próxima eleição geral da Itália. Conte e seu governo gozam de boa popularidade neste momento. Será que isso persistirá quando a plena profundidade da recessão ficar clara? Matteo Salvini, uma figura mais marginalizada na política italiana desde o ano passado, poderá voltar. Se ele ganhar uma eleição em 2022 ou 2023, seu governo poderá ficar tentado a não honrar a dívida da Itália. O que acontecerá então? 

A exemplo de qualquer cenário, este também depende de acontecimentos incertos que se descortinam em determinada sequência. Detesto vincular probabilidades numéricas a quaisquer resultados futuros. Mas acho que esse cenário não é em nada menos provável do que o otimista que aponta para uma recuperação em forma de V, na qual está alicerçada a política pública real. 

Então me pego perguntando: por que a UE não quer se proteger dele? 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/como-sera-a-proxima-crise-do-euro.ghtml

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