Cobiçada, Groenlândia expõe disputa por recursos do Ártico

Ilha rica em petróleo, gás e água doce é localizada entre o Ártico o Atlântico, onde a China tem ampliado sua influência econômica e a Rússia tem expandido sua atividade militar O interesse do presidente americano, Donald Trump, que questionou assessores sobre a possibilidade de comprar a Groenlândia, expôs a disputa por recursos naturais e influência estratégica no Ártico entre Estados Unidos, Rússia e China. 
A Groenlândia tem 57 mil habitantes, com um razoável grau de autonomia, apesar de pertencer ao Reino da Dinamarca. Com o aquecimento global, o derretimento de geleiras poderia facilitar a exploração das reservas de petróleo e gás da ilha, estimadas em 52 bilhões de barris. 
Além disso, a Groenlândia tem um interesse estratégico para os Estados Unidos, em consequência de sua localização entre o Ártico e o Atlântico, onde a China tem ampliado sua influência econômica e a Rússia tem expandido sua atividade militar.
Segundo o Wall Street Journal, Trump questionou assessores sobre a possibilidade de os Estados Unidos comprarem o território, onde já detêm uma base militar. O presidente demonstrou curiosidade sobre os recursos naturais e a relevância geopolítica da área. 
Parte da América do Norte, mas culturalmente ligada à Europa, a Groenlândia foi explorada por vikings na Idade Média e anexada pela Dinamarca no século 18. Os Estados Unidos tentaram comprar o território em duas oportunidades, em 1862 e em 1946, quando o então presidente Harry Truman fez uma oferta de US$ 100 milhões, rejeitada pelos dinamarqueses. Com o fim da Guerra Fria, o interesse geopolítico na região diminuiu, mas desde a crise de 2008 a região voltou a ganhar importância. 

Alerta
Em maio, o secretário de Estado, Mike Pompeo, alertou para essa disputa. “Estamos entrando numa era de engajamento estratégica no Ártico, com ameaças para seus ativos e nossos interesses na região. Recentemente, o governo americano expressou preocupação com o financiamento chinês de alguns projetos na Groenlândia.
Para o analista Damien Degeorges, um consultor com base na Islândia especializado em assuntos nórdicos, o interesse em si não é negativo. “Isso deve ser lido como um alerta ‘vamos fazer isso antes que os chineses o façam’”, disse. “O que a Groenlândia precisa é de investimentos. Eu não levaria essa proposta à risca.” 
Nos últimos anos, a estratégia americana para a Groenlândia tem sido ampliar a presença militar sem se envolver diretamente na relação da ilha com a Dinamarca, mas apoiando discretamente um movimento independentista. No ano passado, um plebiscito feito na ilha determinou uma maior autonomia em relação ao governo de Copenhague, com decisões em temas como política externa e defesa. 
A mudança dessa estratégia para a compra do território, a exemplo do que os Estados Unidos fizeram no século 19 com o Alasca e o Texas, é arriscada, segundo analistas. “Os groenlandeses se veem como um povo independente”, diz Mikkel Vedby Rasmussen, ex-conselheiro do Ministério da Defesa da Dinamarca. “Um status como o de Porto Rico não interessa a eles.”
A questão, diz o analista, é saber se o desejo de Trump implicará uma mudança na estratégia americana para a Groenlândia. “Tratar a Groenlândia como a compra de um terreno sem consultar seus habitantes é uma estratégia duvidosa”, disse Rasmussen. 

Revolta
A menção à ideia irritou políticos dinamarqueses. Alguns parlamentares acusaram o líder americano de colonialismo ao cogitar a aquisição do território, conhecido pelas reservas de água doce, petróleo e gás. “Estamos abertos para negócios, mas NÃO à venda”, disse a ministra das Relações Exteriores da Groenlândia, Ane Lone Bagger.
“A ideia de que algum país possa comprar a Groenlândia – como se fosse uma colônia – é muito estranha”, disse Michael Aastrup Jensen, do partido de centro-direita Venstre. 
O ex-primeiro-ministro dinamarquês Lars Rasmussen comparou a iniciativa a uma brincadeira. “Deve ser uma piada de 1.º de abril”, escreveu em sua conta no Twitter. 
O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento dinamarquês, Martin Lidegaard, foi na mesma linha. “Os habitantes da Groenlândia têm seus direitos”, disse. “Espero que seja uma brincadeira.” 
Derretimento. Cerca de 85% da Groenlândia é coberta por uma faixa de gelo de 3 quilômetros de espessura que contém 10% das reservas de água doce do planeta. Mas a ilha sofre os efeitos da mudança climática, segundo os cientistas, ameaçando inundar as áreas costeiras do planeta algum dia. Em julho, 12 bilhões de toneladas de gelo da Groenlândia afundaram no mar.
Outros territórios comprados pelos EUA.

Louisiana
Em 1783, o tratado que colocou um fim à guerra dos EUA contra a Inglaterra estabelecia que as fronteiras do novo país eram limitadas ao norte pelo Canadá, ao sul pela Flórida e a oeste pelo Rio Mississippi. Em 1803, Napoleão Bonaparte, que precisava de dinheiro para financiar uma guerra contra a Inglaterra, vendeu aos EUA por 60 milhões de francos o território da Louisiana. 

Flórida
No início do século 19, a Flórida pertencia à Espanha, que não tinha condições de defendê-la militarmente e concordou em vender o território em 1819 aos EUA por US$ 5 milhões.

Texas
Colonos americanos que se estabeleceram no Texas, então parte do México, passaram a defender sua anexação aos EUA. A ideia foi aprovada pelo Congresso americano em 1845 e o México entrou em guerra contra os EUA. Por US$ 15 milhões, os mexicanos cederam aos americanos territórios que hoje fazem parte dos Estados do Texas, Novo México, Utah, Nevada, Arizona, Califórnia e Colorado. Em 1853, por mais US$ 10 milhões, venderam outras áreas que formam parte do Arizona e do Novo México.

Oregon
Em meados do século 19, EUA e Inglaterra quase tiveram novo conflito por causa do Oregon, mas, por meios diplomáticos, os britânicos cederam a região em 1846.

Alasca
Em 1867, os EUA adquiriram a última grande região do seu atual território após pagar US$ 7 milhões à Rússia pelo Alasca, sem saber que havia petróleo.

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