A gigantesca antena domina o deserto como uma torre de metal brilhante de 16 andares em um trecho da Patagônia açoitado pelo vento. A peça de 450 toneladas, com seu prato descomunal abraçando os céus, é o centro de um satélite de US$ 50 milhões e de uma estação de controle espacial construída pelo Exército chinês.
A base é um dos mais surpreendentes símbolos da ofensiva de Pequim para transformar a América Latina quase sempre de maneira a corroer diretamente o poder político, econômico e estratégico dos EUA na região.
A estação começou a ser operada em março e tem um papel fundamental na audaciosa expedição da China para o lado não visível da lua – uma aventura que as autoridades argentinas afirmam apoiar com entusiasmo.
A maneira como a base foi negociada – em segredo e num momento em que a Argentina necessitava desesperadamente de investimentos – e os temores que ela aumentará a capacidade da China de coletar informações de inteligência no hemisfério, desencadearam um debate no país sobre os riscos e benefícios de ser atraído para a órbita chinesa.
“Pequim transformou a dinâmica da região, desde as agendas dos seus líderes e empresários até a estrutura das suas economias, o conteúdo da sua política e a dinâmica de segurança”, disse R. Evan Ellis, professor de estudos latino-americanos no U.S. Army War College.
Durante grande parte da década passada, os EUA deram pouca atenção ao seu quintal nas Américas. Pelo contrário, declararam a Ásia como seu pivô, esperando fortalecer os laços econômicos, militares e diplomáticos naquela região como parte da estratégia do governo Obama para conter a China.
Desde que assumiu a presidência, o governo Trump tem se afastado desse enfoque, tendo se retirado da Parceria Transpacífico, lançando uma guerra comercial global e se queixando da carga imposta pelos compromissos de segurança mantidos por Washington com seus mais próximos aliados na Ásia e em outras partes do mundo.
A China discretamente vem levando a cabo seu plano de longo alcance na América Latina. Expandiu o comércio, socorreu governos, criou projetos de infraestrutura, fortaleceu as relações militares e aplicou enormes somas, ligando a sorte de vários países da região à sua própria.
Em 2008, num documento político que não chamou muita atenção, Pequim afirmava que as nações latino-americanas estavam “num estágio de desenvolvimento similar” ao da China.
Os líderes na região se mostraram mais do que receptivos. A primazia sobre a América Latina que Washington tinha desde o fim da Guerra Fria estava sendo desafiada por presidentes de esquerda que governavam Brasil, Argentina, Venezuela, Equador, Uruguai e Bolívia, e desejavam mais autonomia.
O convite de Pequim chegou no momento propício: o auge da crise financeira. Ao atender ao voraz apetite da China pelo petróleo, ferro, soja e cobre da região, a América Latina acabou se protegendo contra os piores estragos da crise econômica.
Então, quando o preço do petróleo e outras commodities despencou em 2011, países na região se viram em terreno movediço. Mais uma vez a China veio em sua ajuda, concluindo acordos que consolidaram ainda mais seu papel na região.
As trocas comerciais entre a China e países da América Latina e do Caribe chegaram a US$ 244 bilhões no ano passado, duas vezes mais do que uma década antes, de acordo com o Global Development Policy Center da Boston University. Desde 2015, a China é o principal parceiro comercial da América do Sul, eclipsando os EUA.
Talvez mais importante, a China tem feito empréstimos de dezenas de bilhões de dólares bancados por commodities para vários países latino-americanos, o que lhe dá direito a uma grande parte do petróleo da região, incluindo quase 90% das reservas do Equador.
Ela também se tornou indispensável ao socorrer governos em apuros e companhias estatais vitais em países como Venezuela e Brasil, apostando alto para garantir seu lugar na região.
Na Argentina, nação que foi rejeitada pelos mercados internacionais pelo calote de US$ 100 bilhões de títulos que não resgatou, a China caiu do céu para a então presidente Cristina Fernández Kirchner. Ao mesmo tempo em que estendia sua mão amiga, os chineses iniciaram negociações secretas que terminaram com o satélite e a estação de na Patagônia.
O documento político da China sobre a América Latina, em 2008, prometia aos governos da região “um tratamento recíproco igual”, uma clara referência à assimétrica relação entre EUA e seus vizinhos no hemisfério.
“À medida que nossa relação com os EUA diminuiu, nossa relação com a China cresceu”, disse a ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff, cujos vínculos com o governo Obama foram prejudicados depois de revelações de que autoridades americanas a haviam espionado, seu círculo mais próximo e a estatal brasileira de petróleo. “Jamais sentimos que a China tinha objetivos imperiais”.
Apesar de o presidente Barack Obama ser amplamente elogiado na região por ter restaurado as relações diplomáticas com Cuba no final de 2014, a agenda de Washington sempre foi dominada por dois assuntos que sempre geraram ressentimentos na América Latina: a guerra contra as drogas e a imigração ilegal.
Embora o governo Trump ainda necessite elaborar uma política clara para o hemisfério, ele tem alertado os seus vizinhos para não ficarem muito íntimos da China. O ex-secretário de Estado Rex Tillerson alertou que a América Latina não precisa de novas “potências imperialistas”, e que a China “está usando sua diplomacia econômica para atrair a região para sua órbita: a pergunta é, a que preço?”
Essa pergunta vem sendo bastante debatida em alguns lugares. O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, foi interrogado por promotores em fevereiro dentro de uma investigação para saber se a decisão de prometer as reservas do petróleo bruto para a China até 2024 causou danos aos interesses nacionais.
Mas a influência chinesa não diminuiu mesmo com a região mudando para a direita em termos políticos. Nos últimos meses, Pequim convenceu o Panamá e a República Dominicana a romper relações com Taiwan, uma vitória de política externa notável para a China.