China alivia restrições e sinaliza mudança no combate à covid

China ofereceu os sinais mais claros de uma possível mudança na abordagem no combate à pandemia após quase três anos aplicando o que ficou conhecido como política de “covid zero”. Algumas das principais cidades do país afrouxaram as severas medidas restritivas impostas aos cidadãos, embora o número de casos notificados da doença continue e subir, e autoridades governamentais deram declarações sobre possíveis correções de curso.

A vice-primeira-ministra Sun Chunlan, uma figura central na coordenação da resposta à pandemia no país, afirmou em uma reunião com a Comissão Nacional de Saúde na quarta-feira, 30, que a variante Ômicron é menos letal que outras cepas do vírus e que a taxa de vacinação entre os chineses está aumentando, o que cria um novo cenário “que exige novas tarefas”.

A declaração, que chamou a atenção por não mencionar a política de “covid zero”, surpreendeu ainda mais observadores da política chinesa pelo fato de partir de Sun, que é associada a alguns dos aspectos mais severos do método de combate ao vírus adotada pelo país, como lockdowns imediatos, testagem em massa obrigatória e quarentenas forçadas em instituições do governo. Também foi um raro reconhecimento de que uma variante representa um risco menor.

Além da sinalização nacional, mudanças nas abordagens regionais começaram a ser anunciadas por líderes locais. Em Pequim, idosos e as pessoas que estudam ou trabalham de maneira remota foram liberados dos testes PCR diários, anunciou o porta-voz do governo municipal Xu Hejian. Todos os moradores, no entanto, continuam precisando apresentar um teste com resultado negativo de menos de 48 horas para ter acesso aos locais públicos.

Megalópoles como Guangzhou e Chongqing se uniram à capital na quarta-feira, 30, e anunciaram que pessoas que tiveram contato com pacientes infectados ficam autorizados a cumprir um período de quarentena em casa desde que cumpram alguns requisitos, sem a necessidade de serem encaminhados a centros de tratamentos governamentais ― um dos pontos mais controversos da política de tolerância zero adotada pela China. Em Guangzhou, importante centro industrial onde foram registrados confrontos entre policiais e manifestantes na terça-feira, também foi anunciada a suspensão de um lockdown que já durava semanas.

“Acreditamos que as autoridades chinesas estão mudando para uma postura de ‘conviver com a covid’, como demonstram as regras que permitem o isolamento das pessoas em casa, e que não sejam levadas para centros de quarentena”, afirma um comunicado de analistas da ANZ Research.

Analistas acreditam que o governo chinês está adotando uma abordagem de duas vias. Por um lado, afrouxa algumas restrições para apaziguar a raiva do público. Por outro, usa censura, propaganda e repressão para impedir que os protestos se transformem em um movimento que possa representar uma ameaça existencial ao regime.

Com forte presença policial de Pequim a Xangai, não houve registro de protestos nesta quinta. Publicações nas mídias sociais denunciavam que pessoas estavam sendo paradas aleatoriamente para que a polícia verificasse seus smartphones, possivelmente procurando por aplicativos proibidos no país, como o Twitter, no que eles disseram ser uma violação da Constituição da China.

“Estou especialmente com medo de me tornar o ‘modelo de Xinjiang’ e ser revistado com a desculpa de andar por aí”, disse uma postagem assinada por Qi Xiaojin na popular plataforma Weibo, referindo-se à região noroeste onde os uigures e outras minorias muçulmanas estão sob intensa vigilância.

Os ativistas estão preocupados especialmente com regiões como o Tibete e Xinjiang, habitadas por populações de minorias étnicas que convivem com um histórico de repressão anterior à pandemia. Nas duas regiões, autoridades ameaçaram punir com penas severas todos aqueles que perturbem a ordem – a narrativa oficial do governo é de que os manifestantes têm intenções sediciosas e separatistas.

Apesar dos números recordes da pandemia no país, a proporção de contágios é ínfima considerando a população. Nesta quinta-feira foram registrados 35.800 casos – a grande maioria assintomáticos – em um país de 1,4 bilhão de habitantes.

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