O Federal Reserve (Fed) decidiu ontem cortar as taxas de juros em 0,25 ponto percentual pela segunda vez seguida para proteger a economia de uma desaceleração global ampliada pelo conflito comercial entre os Estados Unidos e a China. As autoridades do Fed deixaram a porta aberta para novos cortes, mas mostraram-se divididos na decisão de ontem e quanto às percepções sobre novas reduções.
Sete das dez autoridades votaram a favor do corte da taxa referencial de curto prazo para a faixa entre 1,75% e 2%. Assim como em julho [na reunião anterior], dois presidentes regionais do Fed divergiram da decisão, preferindo manter os juros estáveis. O presidente do BC americano, Jerome Powell, também enfrentou uma terceira divergência de um outro presidente regional que preferia um corte maior, de meio ponto. “Demos esse passo para manter a economia forte”, disse Powell em entrevista coletiva após a decisão.
Ele também abriu caminho para novos cortes nos juros se a economia americana se enfraquecer mais, muito embora tenha afirmado que as autoridades do Fed ainda têm uma perspectiva positiva sobre a economia.
O comunicado divulgado após a reunião pouco mudou em relação a julho, quando as autoridades abriam as portas para cortes futuros. À medida que o Fomc (comitê de política monetária) “avalia o caminho futuro” das taxas de juros, “continuará monitorando as implicações das informações recebidas sobre as perspectivas econômicas e agirá da maneira apropriada para sustentar a expansão”, destaca o comunicado, repetindo a linguagem de julho.
O comitê observou que os gastos das famílias vêm aumentando num ritmo sólido, enquanto os investimentos das empresas e as exportações perderam força.
Projeções divulgadas após a reunião que durou dois dias mostram o grau de divergência sobre as perspectivas para política monetária, complicando o desafio enfrentado por Powell. Sete de 17 autoridades defenderem mais um corte dos juros neste ano. Os outros dez ficaram divididos igualmente entre os que acreditam que o novo patamar, após o corte de ontem, é apropriado e aqueles que acham que as taxas não deveriam cair mais.
Essas divergências são ainda maiores nas projeções para o ano que vem. Praticamente metade das autoridades estima que as taxas em dezembro de 2020 estarão 0,25 ponto abaixo do novo nível, enquanto outra metade acredita que seria apropriado reverter pelo menos um dos dois cortes recentes.
As autoridades citaram três razões para o corte dos juros na reunião de 30 e 31 de julho: o enfraquecimento do crescimento global, o aumento das incertezas com a política comercial americana e a inflação muito baixa. O conflito comercial entre EUA e China se agravou logo depois da reunião do Fed de julho, e a desaceleração do
setor industrial em várias partes do mundo não dá sinal de que chegou ao seu ponto mais baixo.
O Fed enfrenta um desafio incomum na definição de sua política, dadas as perspectivas voláteis para o ambiente comercial mundial, que esfriaram os investimentos das empresas. “Há uma parte disso que realmente não podemos resolver. É uma situação incomum… Um momento desafiador, devo admitir”, disse Powell.
As autoridades esperam desaceleração da economia americana neste ano, mas o aumento das incertezas significa que elas não sabem se a atividade vai esfriar só um pouco ou bastante. Os dados econômicos mostram um quadro instável. Os gastos do consumidor estão sólidos, mas a produção industrial perdeu força. Revisões recentes do nível de emprego e do crescimento dos lucros mostram que a economia não se mostrou tão forte ao longo do último ano quando se pensava anteriormente.
Algumas autoridades do Fed alertaram que, se os gastos com consumo e as novas contratações caírem, o Fed poderá ter de promover um estímulo mais agressivo no momento em que suas taxas de juros já se encontram historicamente baixas. A criação de novos empregos deu uma desacelerada neste ano. O setor privado criou, em média, 129 mil vagas nos três meses encerrados em agosto, em comparação a 236 mil no período encerrado em dezembro.
Um desafio para o Fed na leitura desses números é que durante anos as autoridades esperaram uma redução nas contratações em razão do amadurecimento da expansão econômica. Ao mesmo tempo, o crescimento dos salários não teve uma aceleração substancial neste ano, como costuma acontecer quando a demanda por trabalhadores supera a oferta.
Enquanto isso, o Fed vem sendo pressionado pelo presidente Donald Trump a reduzir os juros mais agressivamente. Logo depois que anunciou o corte ontem, Trump atacou Powell no Twitter. “Jay Powell e o Federal Reserve fracassam novamente”, escreveu ele em uma das 30 declarações feitas desde a reunião de julho. “Eles não têm coragem, não têm bom senso e não têm visão! Um comunicador terrível.”
Powell já disse que o Fed não toma decisões com base nas exigências de líderes políticos, concentrando-se em vez disso em seu mandato conferido pelo Congresso de estimular o emprego e manter a inflação estável. O desemprego, de 3,7%, está perto do menor nível em meio século, enquanto a inflação (excluindo-se alimentos e energia) se encontra em torno de 1,6%, segundo a medida preferida do Fed, abaixo de sua meta de 2%.
Também ontem o Fomc reduziu a taxa paga aos bancos sobre os depósitos que mantêm no Fed, conhecidos como reservas, assim como a taxa das operações de recompra reversa (repo) A redução foi de 0,3 ponto, mais que o corte de 0,25 ponto na taxa básica de juro.