Atrocidade em Sri Lanka pode estar ligada a movimento jihadista

Por quase 30 anos, o Sri Lanka conviveu com a ameaça de ataques terroristas e homens-bomba – táticas usadas pela minoria étnica tâmil na ilha do oceano Índico na época em que estava em conflito com o governo, dominado pelos cingaleses budistas.
Com o fim brutal da guerra civil do Sri Lanka em 2009 – quando o movimento separatista Tigres de Libertação do Tâmil foi eliminado – esses horrores pareciam ter ficado para os livros de história.
As seis explosões que mataram pelo menos 207 pessoas em três hotéis de luxo e três igrejas repletas de fiéis para as comemorações do domingo de Páscoa acabaram com a crescente sensação de otimismo da população de que seu país estava progredindo.
Os ataques vão pressionar uma economia ainda frágil, dependente do turismo, e aumentar as tensões políticas, que já se encontravam em banho-maria por baixo da superfície.
Ao mesmo tempo, muitos no Sri Lanka estão desconcertados se perguntando por que seu país seria alvo de um ataque tão devastador e estruturado.
“Foi totalmente inesperado – tão cruel, tão bárbaro”, disse Jehan Perera, diretor-executivo da organização não governamental Conselho de Paz Nacional do Sri Lanka, dedicada à reconciliação pós-guerra civil. “É assustador […] Os ataques a bomba foram realizados de forma muito profissional.”
Murtaza Jafferjee, chefe da JB Securities, disse que a maioria das pessoas no Sri Lanka acreditava que casos de violência tão devastadora haviam ficado no passado. O outrora temido aparato de segurança do país – acusado de violações brutais dos direitos humanos durante e depois da guerra civil – também esteve sob pressão para se transformar nos últimos anos.
“Tivemos 30 anos de guerra e nos últimos dez anos abaixamos a guarda porque a percepção era a de que o antigo inimigo não iria voltar”, disse. “Grande parte do aparato foi desmontado em nome dos direitos humanos […] é por isso que guarda estava baixa.”
Alan Keenan, diretor do projeto Sri Lanka no Internacional Crise Group, disse que o país “nunca antes havia visto um ataque desse tipo – coordenado, múltiplo, com muitas vítimas – nem com os Tigres de Libertação do Tâmil durante uma guerra civil brutal.”
“Não estou realmente convencido de que isto é algo do Sri Lanka”, acrescentou. “Acredito que a dinâmica é internacional, sem relação com algum debate nativo. Parece-me ser um tipo de jogo diferente”, disse Keenan.
O governo do Sri Lanka não quis identificar o grupo responsável pelo ataque, para privá-lo do prestígio atribuído a mártires. Sinalizou, entretanto, que os responsáveis eram “extremistas religiosos” e admitiu que agentes de inteligência estrangeira haviam alertado para a possibilidade de um ataque do tipo.
De acordo com Jafferjee, há muitas especulações de que os responsáveis seriam ligados a grupos extremistas islâmicos, que
têm históricos orquestrar ataques terroristas dessa escala na Páscoa, como o realizado em um parque popular no Paquistão em 2016 e em igrejas na Nigéria quatro anos antes.
Parece improvável que a pequena minoria muçulmana do Sri Lanka, menos de 10% da população, iria atacar a minoria cristã, que é ainda menor, de 7,3%, e também reclama de perseguição da maioria budista, disse.
“As pessoas estão especulando que há alguma ligação com o EI [Estado Islâmico] e que isso poderia ser obra de pessoas que voltaram de combates no exterior”, disse Jafferjee. “Sua marca está muito clara e a [possibilidade de] motivação local simplesmente não faz sentido.”
Keenan reconheceu que os muçulmanos no Sri Lanka estão “sob constante pressão”, em meio a um crescente discurso de ódio. No ano passado, foram alvo de vários dias de protestos violentos antimuçulmanos. Mas até agora “não havia acontecido violência dos muçulmanos em relação ao outros grupos, apesar de os budistas estarem atacando-os”, disse.
O governo do premiê, Ranil Wickremesinghe, procurou tranquilizar o público ao agir rapidamente para capturar os responsáveis pela atrocidade e evitar atos de retaliação.
Analistas dizem, porém, que os ataques provavelmente fortalecerão seus oponentes políticos, os budistas nacionalistas de linha mais dura ligados ao ex-presidente Mahinda Rajapaksa, que espera levar seu irmão, o ex-ministro de Defesa Gotabaya Rajapaksa ao poder nas eleições presidenciais deste ano.
“Politicamente, os benefícios do incidente vão para a oposição e isso é prejudicial ao governo”, disse Perera. “A oposição vai dizer: ‘Precisamos de um líder forte para impedir a ocorrência desse tipo de ultraje.’ Eles vão dizer que em vez de coibir os terroristas, este governo está coibindo a polícia e os militares porque está sob pressão.”
Jafferjee concorda que os ataques vão ser bem aproveitados “nas mãos da oposição”, que deverá criticar problemas de lei e ordem e terá Rajapaksa dizendo: “Eu prometo uma segurança mais forte e vou ser um governo forte”.

https://www.valor.com.br/internacional/6220311/atrocidade-pode-estar-ligada-movimento-jihadista-global#

Comentários estão desabilitados para essa publicação