As estratégias do ‘New York Times’ para dobrar o número de assinantes

“A matéria não termina quando é publicada.” A frase, repetida pela editora Anna Dubenko, nunca foi tão verdadeira. Ao menos na redação de “The New York Times”, onde ela tem a missão, diária, de encaixar em diferentes canais – redes sociais e outras plataformas digitais – o conteúdo produzido pelos 1.600 jornalistas a serviço do diário, um dos maiores e mais respeitados jornais do mundo. Não se trata simplesmente de adaptar o conteúdo produzido para a versão impressa, mas de pensá-lo e produzi-lo paralelamente, de forma a que cada repórter encontre “seu próprio público como jornalista”.
Sim, o ideal – para Anna – seria que os próprios jornalistas distribuíssem o conteúdo fora das plataformas digitais do “NYT”. “Espero que algum dia ‘The New York Times’ não tenha mais uma página oficial no Facebook”, provocou ela na semana passada, no evento Digital Media Latam 2019, promovido pela Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-Ifra, em inglês) no Rio, para depois reconhecer que isso dificilmente vai ocorrer. Em linhas gerais, a estratégia do diário fundado em 1851 é tão simples quanto pragmática: converter o tráfego gerado nas redes sociais em assinaturas.
“Certos canais – o Twitter e o Facebook, em particular – continuam a trazer um grande número de pessoas para o nosso site. Essas pessoas batem no nosso ‘paywall’ [ferramenta que impede o acesso ao conteúdo para quem não é assinante], e isso é importante para nós. É importante que as pessoas percebam que não podem acessar aquele conteúdo a não ser que se registrem e paguem por ele”, afirmou a editora em entrevista ao
Ao fim do terceiro trimestre deste ano, o jornal contabilizava 4,9 milhões de assinaturas, dos quais 4 milhões em meio digital. A meta é chegar a 10 milhões em 2025. Dos US$ 428,5 milhões em receitas arrecadadas entre julho e setembro de 2019, pouco mais de 62% vieram de assinantes. O percentual é mais do que o dobro da contribuição aportada pela publicidade (26,4%). O restante (11,1%) vem de outras fontes.
O cargo formal de Anna no “New York Times” é o de editora de estratégia “off- platform” – fora das plataformas digitais não pertencentes à empresa jornalística. Esse universo inclui desde redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram e LinkedIn) até o aplicativo agregador de notícias Apple News e os sites de busca. Com mais de 1,5 bilhão de usuários no mundo, o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp
ainda está fora dos planos da The New York Times Company. “Não temos uma estratégia para o WhatsApp, mas deveríamos ter”, admitiu a editora.
Um obstáculo concreto é o tamanho máximo dos grupos de WhatsApp, limitado a 256 integrantes. Para o “NYT”, esse é um público muito reduzido. O mesmo não ocorre com o Telegram. Similar, o aplicativo permite a criação de grupos com até 200 mil integrantes. “Estamos pensando em outras plataformas de mensagens [instantâneas]”, acrescentou ela, sem entrar em detalhes.
A hiperoferta de informação na internet e, mais especificamente, nas redes sociais não chega a ser um problema na visão de Anna, ainda que haja o risco de o conteúdo do “New York Times” ficar “perdido” em meio a uma enxurrada de notícias.
“[Ao ler] aquela reportagem publicada por um de nossos repórteres, os leitores podem não lembrar onde leram a notícia, se foi no ‘New York Times’ ou no ‘Washington Post’, mas eu garanto que vão se recordar em qual rede social ela foi compartilhada”, argumentou ela. “E, se eles [leitores] estão seguindo uma pessoa, um repórter específico, eu aposto que vão lembrar que foi aquele repórter que explicou os fatos, que mostrou o seu trabalho, que opinou sobre a matéria, mais até do que o ‘The New York Times’.”
Correspondente do jornal em Washington DC, Maggie Haberman gera – com algumas de suas matérias sobre o governo do presidente americano Donald Trump – mais tráfego por meio de seu perfil no Twitter do que a própria conta do “NYT” na rede de microblogs. “Ela também posta links para matérias da concorrência. Se ela acha que o ‘Washington Post’ publicou uma grande reportagem, ela também vai postar o link. Isso também gera tráfego [para o concorrente]. Não é só a Maggie tuitando e promovendo suas próprias matérias. Ela está fazendo uma curadoria de notícias para o seu público”, afirmou. Maggie tem 1,2 milhão de seguidores no Twitter.
Embora ainda não haja orientação formal da direção do jornal para que os repórteres interajam diretamente com seus seguidores pelas mídias sociais, o objetivo final é esse, afirmou a editora. Ao estimular essa relação, o “NYT” não pretende apenas gerar tráfego por meio de postagens pontuais, mas manter o engajamento do leitor ao longo de toda uma trajetória – de uma matéria para outra sobre o mesmo tema ou um assunto correlato.
O desafio de adaptar reportagens investigativas extensas para o Instagram – rede social voltada para o compartilhamento de fotos e vídeos curtos – vem produzindo resultados surpreendentes. Publicada em novembro, a série de três reportagens intitulada “Como Trump reformulou a Presidência em mais de 11 mil tuítes” dissecou as mensagens postadas pelo presidente dos Estados Unidos desde que ele assumiu o cargo, 33 meses atrás.
Pelas contas do “New York Times”, em mais da metade dessas mensagens – 5.889 para ser exato -, ele atacou alguém ou alguma coisa. Em 2.026 tuítes, Donald Trump elogiou a si mesmo. Os números condensados serviram de base para um post no Instagram que acabou sendo o segundo mais compartilhado na história do perfil do “NYT” nesta rede social. O jornal americano tem 7,1 milhões de seguidores no Instagram.
Mestre em língua inglesa e literatura pela prestigiosa Universidade de Yale, Anna ocupa o cargo atual há um ano e dois meses. A estratégia desenhada por ela e sua equipe passa ao largo da pretensão de ser onipresente nas redes sociais. A escolha dos canais digitais de terceiros nos quais o conteúdo do periódico é veiculado depende tanto de aspectos quantitativos (“A plataforma envia pessoas para o nosso site diretamente e em grandes quantidades?”) como de fatores qualitativos (“Se eles têm uma equipe editorial, nós confiamos na integridade e na competência desta equipe?”).
Também é preciso que a plataforma seja capaz de alcançar um “público valioso” que não é atingido por meio da página do “NYT” na internet. Mas, afinal, qual é este público valioso? “É um público que determinamos de antemão, que planejamos atingir diretamente”, esclareceu Anne.

https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2019/11/22/as-estrategias-do-new-york-times-para-dobrar-o-numero-de-assinantes.ghtml

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