Após reunião no Canadá, futuro do G7 está ameaçado

Com um único tuíte do Air Force One, Donald Trump torpedeou semanas de uma diplomacia meticulosa e abriu uma brecha mais profunda entre os EUA e os países do G7 que tradicionalmente se consideram os aliados mais próximos de Washington.
O presidente dos EUA retirou-se no sábado à noite do comunicado conjunto que o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, bradou como a principal realização da cúpula das sete maiores economias do Ocidente, em Quebec.
Trump incluiu ainda um ataque personalizado a Trudeau. Ele chamou o primeiro-ministro de “desonesto e fraco”, e sugeriu que ele estava se preparando para impor mais tarifas aos aliados do norte dos EUA, além de sobretaxas punitivas ao aço e ao alumínio já implementadas a importações da União Europeia, Japão, Canadá e México.
Emmanuel Macron, presidente da França, tuitou que os EUA enfrentaram uma “frente única” na reunião do Canadá e se viram “isolados”. “Gastamos dois dias para garantir um texto e compromissos. Nós o apoiamos, e quem quer que lhe dê as costas demonstra incoerência e inconsistência “, disse um assessor do Palácio do Eliseu.
Outro diplomata europeu que estava presente disse que, dentro dos limites da cúpula, Trump “tentou humilhar Trudeau”, mas também “tinha algo a dizer a Macron, à premiê alemã, Angela Merkel – e, em menor escala, à premiê britânica, Theresa May.”
O diplomata acrescentou que o compromisso do comunicado com uma “ordem internacional baseada em regras” teria sido mais forte caso se soubesse que os EUA não estariam envolvidos: “Isso foi um choque. Foi negociado a fim de agregar também os EUA e, em seguida, eles se recusaram a assinar.”
Desde a década de 1970, o G7 se tornou sinônimo de Ocidente e atuou como o último bastião da economia internacional. Agora, autoridades e analistas se perguntam se o grupo pode sobreviver.
“Nunca houve nada parecido antes, seja pela amplitude ou pela profundidade das divergências”, disse Malcolm Rifkind, ex- secretário de Relações Exteriores britânico, ao resumir a crescente tensão dentro do G7.
“Alguns frequentadores de longa data da cúpula estão se mostrando corajosos, ao tentar isolar Trump e, por enquanto, chamando o grupo de G6 + 1”, disse Matthew Bishop, da Universidade de Sheffield, na Inglaterra. “Mas sem os EUA, tem- se um G Zero pois um clube de seis potências de nível médio não é, por si só, relevante.”
O grupo foi estabelecido em 1973 para coordenar a resposta do Ocidente a um embargo de petróleo da Opep. Na década de 1980, desempenhou papel crucial na aceleração e na reversão do declínio do dólar americano.
Os ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais do G7 forneceram o momento decisivo da crise financeira global, quando rasgaram comunicado pré-preparado em outubro de 2008 e prometeram fornecer aos mercados financeiros liquidez ilimitada e evitar que bancos fracassassem.
Como agora responde por menos de um terço da economia mundial, em vez dos 50% do PIB mundial na década de 1990, o G7 está há uma década sob ameaça de ser substituído pelo G20.
O grupo manteve sua posição devido ao seu papel de encontro onde países com ideias semelhantes poderiam forjar um consenso que pudesse prevalecer no G20 ou no FMI. Após os confrontos do fim de semana, no entanto, esses dias podem estar chegando ao fim.
O tom rebelde foi estabelecido antes mesmo de a cúpula começar, quando Trump disse aos repórteres em Washington que queria que a Rússia se juntasse ao grupo – uma maldição para os colegas europeus, dadas as relações conturbadas com o presidente russo, Vladimir Putin, e a suposta interferência russa nas eleições ocidentais.
Durante a cúpula, autoridades descreviam o diálogo como cordial. Mas também admitiram que Trump não mostrou sinais de ouvir os argumentos dos aliados sobre o tema central, que era comércio. Em vez disso, ele retratou os EUA como vítima de práticas predatórias de outros países. “Somos como um cofrinho que todo mundo está roubando”, reclamou.
Juntamente com a decisão de Trump de retirar os EUA de acordos, como o nuclear com o Irã e o de clima de Paris, sua reviravolta em torno do comunicado do G7 dificultará que outros governos confiem na disposição dos EUA de cumprirem compromissos.
Países da UE já intensificam as tensões comerciais e preparam tarifas de retaliação às sobretaxas ao aço e alumínio. Trump já avisou a Europa que sobretaxar carros pode ser o próximo passo.
“Creio que até os alemães tiveram de abrir os olhos”, disse o diplomata europeu, referindo-se à maior disponibilidade de Berlim do que outras capitais europeias para fechar acordo comercial com Trump. “Havia a esperança de que poderíamos diminuir essa tensão e começar a dialogar de maneira construtiva sobre o que podemos fazer. Mas depois de tudo, não vejo esperança nem para isso.”

http://www.valor.com.br/internacional/5584403/apos-reuniao-no-canada-futuro-do-g7-esta-ameacado#

Comentários estão desabilitados para essa publicação