Anualmente, todos os embaixadores franceses se reúnem em Paris com o presidente para saber de seus projetos. No ano passado, a reunião foi uma “sagração”. Emmanuel Macron havia sido eleito, jovem, sedutor e cultuado, especialidade desconhecida dos presidentes franceses, salvo, num passado distante, o general De Gaulle e François Mitterrand. Os grandes dirigentes estrangeiros se rendiam ao seu charme. Paris, depois dos desastrosos mandatos de Nicolas Sarkozy e François Hollande, fazia um retorno fulgurante ao cenário mundial.
Um ano depois, em 23 de agosto de 2018, os diplomatas franceses estavam taciturnos. O estado de graça não é mais do que uma lembrança. Macron não perdeu nada da sua inteligência, mas não conseguiu ocupar um lugar decisivo entre os grandes. Os acontecimentos mundiais desfilam a sua frente, lhe lançam um olhar educado, e passam. Por que essa mudança?
O fato é que ele cometeu o erro de um novato, de um homem que conhece melhor a universidade do que as maneiras desenvoltas da realidade. Quando elabora um plano de longo prazo, ele esquece que o mundo muda incessantemente. Um grande erro. O verdadeiro homem de Estado é aquele que sabe integrar o tempo nos seus cálculos. Sabe que o que era resplandecente ontem pode se tornar obscuro hoje. A arte de conduzir, seja um carro ou um país, é a arte do tempo que passa.
Macron tinha o fogo sagrado, em agosto de 2017. Entusiasmado, estava decidido a recolocar a França, e ele também, entre os grandes. Para isso, se propôs a conquistar o primeiro pico: tornar-se um dos primeiros dirigentes da Europa, ao lado de Angela Merkel ou, se necessário, ocupar o lugar dela.
O momento era favorável. No céu de Macron havia “um belo alinhamento de planetas”, como dizem os diplomatas iniciantes. A UE saía da crise, embora ainda um pouco indecisa. A direção de Bruxelas era frouxa e medrosa. A juventude de Macron daria um empurrão nos “velhos” de Bruxelas.
Outro trunfo: a amizade franco-alemã, um dogma desde De Gaulle e Konrad Adenauer. Merkel apreciava o jovem dirigente. O “charme” funcionou. Claro que ela andava enfraquecida após suas medidas generosas para os imigrantes. Mas Macron não se preocupou com isso. Nos seus sonhos mais exaltados, ele acariciava mesmo o projeto de ficar com o cetro.
Foi neste aspecto que o tempo exerceu seu império. E demoliu em um único ano os cálculos do francês. Toda a configuração de planetas mudou. Vários países da Europa assumiram as posições populistas do Leste Europeu. O campo “antieuropeu” se multiplicou.
A Hungria virou muitas cabeças. A Áustria elegeu um governo com vários membros neonazistas. A Dinamarca foi atingida por uma “febre xenófoba”. O novo governo italiano desafia todas as filosofias humanistas da UE.
Mais ameaçador ainda: Merkel está instável. Dentro de seu partido, a poderosa Federação da Baviera se sente cada vez mais atraída pelas ideias do húngaro Viktor Orban, ao passo que partidos extremistas de direita se fortalecem.
Assim, Macron está só e numa posição desconfortável: seu projeto audacioso de assumir a direção da Europa está ao seu alcance. Mas que UE? Uma organização desgastada, formada por nações resignadas, apáticas. O tempo agiu. Mudou todos os peões de lugar, mas Macron se mantém na rota. Insiste no seu projeto europeu. Tantas decepções tirariam a coragem de um coração frágil, mas o de Macron é inflexível. Ele pensava de uma maneira no passado e continua pensando a mesma coisa hoje, mesmo que o jogo tenha mudado.
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