Quem falou em crise das ações de tecnologia? Algumas das empresas do setor mais atingidas pela onda de queda do mercado acionário no terceiro trimestre se recuperaram e viram suas ações atingirem novos recordes nas últimas semanas – e, nessa reviravolta, os holofotes voltaram-se a uma série de softwares de negócios, cada vez mais usados pelos departamentos administrativos das empresas.
John Donahoe, CEO da ServiceNow, cujas ações se valorizaram mais de 30%
desde o início do ano, resumiu bem o motivo do renascimento: “Os investidores valorizam, primeiro e antes de tudo, o crescimento.”
Em particular, Wall Street está apostando que vários aplicativos de crescimento explosivo, mas em sua maioria ainda deficitários, poderão tornar-se ferramentas essenciais na vida dos trabalhadores de escritório.
Entusiastas como Donahoe, ex-CEO da eBay, até comparam a importância desses programas ao domínio das empresas de tecnologia voltadas aos consumidores. “São plataformas fundamentais, essenciais”, diz. “Elas estão tendo no trabalho o mesmo impacto fundamental que as Faangs [Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google] tiveram nos lares.”
A recuperação levou rapidamente os valores dessas empresas para a estratosfera. As ações das empresas de aplicativos de negócios – cujo mercado de atuação é chamado de “software como serviço” (SaaS, na sigla em inglês) – normalmente eram negociadas a um valor seis ou sete vezes maior do que a receita, mas agora isso aumentou para dez vezes ou até mais na atual onda de valorização, segundo Matt McIlwain, investidor em capital de risco, que trabalha em Seattle.
O modelo de negócios dessas empresas, altamente previsível, ajudou a sustentar a valorização. A maioria gasta quase 50% da receita em vendas e marketing, dando prejuízo enquanto cresce, uma vez que a receita de contratos de longo prazo assinados agora apenas vai poder ser contabilizada nos anos futuros. Ainda assim, se tornaram algumas das apostas favoritas dos investidores, graças a seus fortes fluxos de caixa e à crença de que mais clientes vão pagar pelas assinaturas, mesmo em tempos de crise econômica.
“Essas empresas sabem como investir um dólar hoje e receber três dólares no futuro” diz McIlwain, sócio-gerente da Madrona Ventures.
A ofensiva das companhias que vendem software como serviço tem como pontas de lança a Salesforce e a Workday – a primeira com produtos usados principalmente nas áreas de vendas e marketing e a segunda, na de recursos humanos. Elas se somaram a duas grandes empresas tradicionais de software que transformaram partes importantes de seus negócios em plataformas SaaS propriamente ditas: a Adobe, que atendia artistas gráficos em suas origens, expandiu-se para a esfera do marketing; e a Microsoft, que com o Office 365 passou a oferecer um serviço na nuvem computacional essencial para muitos funcionários administrativos.
Uma variedade desconcertante de outros aplicativos tem competido pela atenção dos trabalhadores, oferecendo serviços que vão desde a administração de tarefas específicas até ferramentas de comunicação e de colaborações mais amplas. Nesse grupo estão empresas como a Slack, um aplicativo de mensagens que vai abrir o capital nas próximas semanas, e a Atlassian, que se tornou uma ferramenta fundamental para programadores de software.
Quantas delas vão conseguir se tornar plataformas duradouras é algo ainda incerto. Mais de 30 empresas de SaaS ostentam valores de mercado de pelo menos US$ 3 bilhões e agora estão em uma corrida para crescer.
As ambições da ServiceNow – que Donahoe, evidentemente, diz ser uma das novas plataformas essenciais para os trabalhadores – são atípicas. Tendo começado a vida como uma ferramenta de software que automatizava os pedidos dos funcionários para o departamento de tecnologia da informação, a empresa agora tenta transformar-se em uma plataforma que pode lidar com várias tarefas diferentes (ou “fluxos de trabalho”) dentro das companhias.
Convencer os investidores de que há um futuro quase ilimitado pela frente
tornou-se essencial. Donahoe calcula o “mercado total potencial” (todas as tarefas que teoricamente suas ferramentas de software podem vir a administrar) em US$ 575 bilhões. Esse total inclui
muitas atividades que as pessoas realizam hoje em seus empregos, mas ainda não são operadas por software.
Apesar de ter registrado prejuízo no ano passado e receita de US$ 2,6 bilhões, o valor de mercado da ServiceNow subiu para mais de US$ 40 bilhões.
Muitos observadores preveem que o grau de florescimento das experimentações das empresas de SaaS deixa o segmento à beira de uma onda de fusões. Se for verdade, então as SaaS seguiriam o caminho de companhias de software em segmentos que surgiram anteriormente, quando o crescimento precoce de ferramentas de propósitos específicos levou a uma consolidação.
Empresas que conseguem estabelecer-se como um “sistema de registros” para seus usuários – o lugar em que as empresas guardam dados essenciais, como informações sobre seus clientes ou funcionários – podem ser as que estão mais bem posicionadas.
“Uma vez que uma empresa de SaaS torna-se fornecedora de um sistema de registros para alguma companhia importante, ela tem chances de conquistar outras”, disse Matt Ocko, sócio da Data Collective, uma empresa de capital de risco em San Francisco.
Comparações com as companhias de internet voltadas aos consumidores colocam em evidência as dificuldades. Muitas empresas de SaaS adotaram uma abordagem “viral” em seu marketing inicial, contando com os funcionários das empresas para descobrir e experimentar um serviço por conta própria antes de tentar vender um contrato para seus empregadores. Mas a facilidade de adoção coloca poucas barreiras para que concorrentes entrem no mercado.
“Isso parece incrivelmente aleatório para nós”, diz Ocko. “Resume-se ao momento certo, ao local certo – e uma execução de vendas extraordinária. Para cada Slack ou ServiceNow, há milhares de sepulturas sem nome.”
Muitas empresas desse segmento ainda precisam começar o trabalho de tentar convencer seu público de que podem ser mais do que apenas um nicho de serviços. A Workday precisou de anos para convencer os clientes de que poderiam confiar nela para lidar com seus dados financeiros, além das informações de recursos humanos – um caminho que muitas outras apenas começam a trilhar.
Assim como nas companhias de internet voltadas aos consumidores, muitas empresas de SaaS também enfrentam o desafio interminável de atrair – e manter – a atenção dos usuários. Novas formas de administrar o trabalho que podem suplantá-las são uma ameaça constante.
A Slack, por exemplo, propagandeou-se como uma nova “janela” unificada na qual os trabalhadores podem interagir com outros aplicativos de negócios, potencialmente roubando atenção – e valor – de outros serviços. Não há trégua nas experimentações por trás do fluxo constante de novas startups.
A disseminação da tecnologia de aprendizado das máquinas deve tornar mais intensa essa competição. A próxima onda de aplicativos de negócios, segundo McIlwain, vai ser criada para extrair dados de diferentes áreas das empresas, combiná-los para aprender a partir deles e dar aos administradores um novo patamar de conhecimento. O risco para as empresas mais antigas de SaaS, acrescentou, é que “essas companhias da nova geração de aplicativos possam alavancar seus dados”.
Assim como as empresas dominantes da internet voltadas ao consumidor, no entanto, as primeiras SaaS que se enraizarem dentro das companhias podem ser difíceis de ser deslocadas. Graças a suas grandes bases de usuários, elas esperam capturar dados sobre como os funcionários interagem entre si e com as informações empresariais, para usar isso de forma mais produtiva.
As empresas “querem quatro a seis plataformas estratégicas”, disse Donahoe. Se ele estiver certo, as próximas gigantes da tecnologia de negócios podem já ter consolidado uma liderança inexpugnável.
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