Voto na Itália dificulta reformas na zona do euro

O resultado do referendo de domingo na Itália reforçou a divisão crescente entre a economia necessária para sustentar a moeda comum da Europa e a forte onda de populismo no continente.

Os italianos rejeitaram com veemência as mudanças constitucionais propostas para simplificar a legislação e impulsionar a competitividade, marcando um início desaminador para o que poderá ser um ano definidor para a União Europeia (UE).

Eleições nacionais devem ser realizadas em 2017 em três países que são membros fundadores do bloco. O voto de domingo elevou a probabilidade de a Itália também ter eleições parlamentares no ano que vem, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por Stephen Fidler, publicada no Valor de 06/12.

Em todos esses países, os partidos mais influentes estão perdendo terreno para os movimentos populistas, muitos deles de extrema-direita. É certo que na Áustria, porém, os eleitores no domingo viraram as costas para a candidatura presidencial do populista de extrema direita Norbert Hofer, cujas promessas de campanha incluíam a redução da imigração e reintrodução dos controles nas fronteiras nacionais. O líder do Partido Verde, Alexander Van der Bellen, ganhou com mais de 53% dos votos. O cargo é basicamente decorativo.

As votações no fim de semana provocaram uma forte oscilação no euro, que chegou a recuar 1% ante o dólar, mas se recuperou e terminou o dia ontem com alta de 1%. A volatilidade aumenta as preocupações sobre se a moeda sobreviverá numa era de populismo e de políticas divergentes.

“O euro se recupera, mas a cada um desses eventos políticos, ele leva outro golpe, então, é de se imaginar até quando vai aguentar”, diz Richard Benson, diretor da carteira de investimentos da gestora Millennium Global Investments, de Londres. E mais golpes podem ser deferidos em breve.

O grande vencedor da eleição de domingo na Itália foi Beppe Grillo, um comediante que se tornou político, e seu partido populista Movimento 5 Estrelas, que quer um referendo não vinculante sobre a adesão da Itália ao euro, o fim do dos limites de gastos do governo impostos pela UE e a garantia de renda para todos os cidadãos.

O premiê da Itália, Matteo Renzi, argumentou que seu país precisava apoiar as mudanças constitucionais ou seria deixado para trás. Ele disse que a Itália precisa reduzir a burocracia e facilitar os negócios das empresas. Depois da derrota de domingo, ele anunciou a sua renúncia.

“O sentimento de oposição às elites de governo é mais forte que o desejo de reforma”, diz Stefano Stefanini, consultor da empresa de lobby e assuntos públicos Podesta Group e auxiliar do ex-presidente Giorgio Napolitano. “Há uma relutância em mudar, um conservadorismo inato na Itália.”

Este é um paradoxo existente no centro da política europeia, e americana, atualmente: a resistência a mudanças entre os eleitores está levando à escolhas cada vez mais antiestablisment nas urnas.

Mesmo se os movimentos populistas do Ocidente não conseguirem chegar ao poder, eles já estão agitando o centro. Partidos já estabelecidos, como o de centro-esquerda de Renzi, estão sitiados. O presidente francês, François Hollande, anunciou na semana passada que não vai disputar a reeleição no ano que vem – a primeira vez que isso acontece na política francesa no período do pós-guerra. Seu Partido Socialista é tão impopular que é improvável que chegue ao segundo turno das eleições.

Os partidos de direita tradicionais também estão reagindo, frequentemente emulando a retórica nacionalista adotada pelos partidos novos e, às vezes, mudando as suas políticas como consequência.

Poucos economistas duvidam que a Itália, a terceira maior economia da zona do euro, precisa de reformas profundas. Sem elas, muitos questionam se o país conseguirá sobreviver no longo prazo utilizando a mesma moeda que a poderosa Alemanha.

Desde que a Itália adotou o euro, em 1999, o seu Produto Interno Bruto (PIB) estagnou, e a dívida do governo explodiu para 133% do PIB, a segunda maior da Europa depois da Grécia.

Reformar as economias nacionais é essencial para sanar os pontos fracos da zona do euro. Mas pode não ser suficiente. Muitos economistas e autoridades dizem que também é necessária uma maior união entre os 19 países que usam o euro, com um maior compartilhamento dos riscos econômicos e financeiros. As duas opções se tornaram mais difíceis com a ascensão do populismo político e do nacionalismo econômico por toda Europa, o que possibilitou o resultado de domingo na Itália.

Tudo isso coloca mais pressão sobre a Alemanha e sua líder, Angela Merkel, para tentar unir uma UE cada vez mais dividida, ao mesmo tempo em que o Reino Unido se retira do bloco, depois da decisão dos eleitores britânicos no referendo de junho.

Mas a própria Merkel está sendo desafiada pela extrema-direita, limitando o seu espaço de manobra. Muitos alemães estão furiosos com a decisão da premiê de acolher mais de um milhão de refugiados no ano passado, assim como com os subsídios do país para a endividada Grécia.

Com o socialista Hollande de saída – e a Frente Nacional, de extrema direita representando um grande desafio na França – o tradicional motor franco-germânico, que por anos fez a UE avançar, também está limitado.

Embora Grillo tenha sido fundamental para a vitória do “não” na Itália, isso não significa que ele ganhará as próximas eleições. A reforma de Renzi foi vetada por uma coalizão temporária entre o Movimento 5 Estrelas, a nacionalista Liga Norte e eleitores da direita tradicional e da extrema-esquerda.

Eles votaram juntos no domingo para derrubar Renzi, mas seus interesses na eleição geral podem divergir e é improvável que eles governem juntos, diz Valerio de Molli, sócio-gerente do The European House-Ambrosetti, um centro de estudos de Milão.

Mas, mesmo que não cheguem ao governo, Grillo e outros insurgentes estão mudando a política na Europa.

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