“Guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar.” O jovial tuíte de Donald Trump, de março passado, pode entrar para a história como o equivalente econômico da previsão feita no Reino Unido, em agosto de 1914, de que a Primeira Guerra Mundial “acabaria até o Natal”.
As tarifas iniciais do presidente dos EUA, aplicadas em junho sobre US$ 50 bilhões em produtos chineses importados, não trouxeram uma vitória rápida. Em vez disso, esbarraram em retaliação por parte da China. Agora Trump se prepara para impor tarifas sobre mais US$ 200 bilhões em produtos da China, que encontrarão, provavelmente, uma nova retaliação de Pequim. O mundo está à beira de uma grande guerra comercial entre os EUA e a China, e ela não tende a terminar rapidamente, como mostrou artigo do Financial Times, assinado por Gideon Rachman, publicado no Valor de 12/09
Até agora, os mercados têm se revelado estranhamente tranquilos quanto a tudo isso. Estariam supondo que haverá um acordo de última hora entre os EUA e a China? Isso seria excesso de complacência. Em vez disso, há motivos políticos, econômicos e estratégicos que empurram os dois lados para um confronto prolongado.
Se ambos os lados continuarem como ameaçam continuar, terão em breve sobretaxado mais de 50% de seu comércio bilateral – com Trump ameaçando ainda novas tarifas depois disso, que atingiriam, essencialmente, todos os produtos chineses exportados para os EUA.
As principais empresas e produtos americanos já estão na linha de fogo. A Apple alertou na semana passada que o custo de seus produtos vai subir se for imposta a próxima rodada de tarifas. Recebeu a sugestão do presidente Trump de que a empresa redirecione a produção para os EUA. Os agricultores americanos, atingidos pelas tarifas chinesas à soja, receberam a oferta de subsídios governamentais e apelos ao seu patriotismo.
Por motivos políticos, tanto Trump quanto o presidente Xi Jinping, da China, terão muito dificuldade de recuar nessa briga. É possível que Trump aceite uma vitória simbólica. Mas Xi não pode se dar ao luxo de sofrer uma derrota simbólica. A população chinesa tem ouvido que seu “século de humilhação” começou quando o Reino Unido obrigou a dinastia Qing a fazer concessões em comércio exterior no século XIX. Xi prometeu um “grande renascimento do povo chinês” que evitará que essas humilhações voltem a ocorrer.
Há, além disso, motivos para duvidar de que o governo Trump ceda a concessões secundárias de Pequim – como as promessas chinesas de comprar mais produtos americanos ou de mudar as regras das “joint-ventures”. Os protecionistas no núcleo do governo americano – em especial Robert Lighthizer, o representante comercial dos EUA, e Peter Navarro, o assessor de política comercial da Casa Branca – encaram há muito tempo a China como o foco dos problemas comerciais dos EUA.
Os otimistas vão se escorar no fato de Trump ter voltado atrás, talvez temporariamente, das terríveis ameaças comerciais dirigidas ao México e à União Europeia. Os mexicanos prometeram reestruturar as cadeias de suprimentos automobilísticas, e a UE se comprometeu a comprar mais soja e gás americanos e a abrir discussões sobre um pacto de livre comércio.
Mas as reclamações dos EUA sobre a China são de alcance muito maior do que suas preocupações com a UE ou com o
México. Elas se referem não só a determinados setores protegidos, mas sim a toda a estrutura da economia chinesa.
Em especial, os EUA têm objeções ao modo com que a China pretende usar a política industrial para criar grandes empresas nos setores do futuro, como veículos autônomos ou inteligência artificial. Mas o tipo de mudança que os EUA querem ver no programa Made in China 2025, de Pequim, exigiria alterações profundas na relação entre o governo e a indústria na China, que teriam implicações políticas, além de econômicas.
Do ponto de vista de Pequim, é como se os EUA estivessem tentando impedir que a China ingresse nos setores do futuro, a fim de garantir a continuidade da hegemonia americana nos setores mais lucrativos e nas tecnologias mais estrategicamente significativas da economia mundial. Nenhum governo chinês deverá aceitar limitar nesse grau as ambições do país.
A competição em torno das tecnologias do futuro também chama a atenção para o fato de que existe um aspecto estratégico nessa rivalidade comercial – coisa que falta completamente aos confrontos do governo Trump com o México, o Canadá ou mesmo a UE.
A China é o único rival plausível dos EUA como potência dominante do século XXI. Portanto, embora as tarifas comerciais de Trump reflitam suas idiossincrasias pessoais – em especial o seu protecionismo de longa data – elas também são parte de uma mudança de humor mais ampla no âmbito dos EUA.
Grandes partes do establishment dos EUA, que transcende em muito o governo Trump, se arrependeu da ideia de que o engajamento econômico é a melhor maneira de lidar com uma China em ascensão. Em vez disso, o apetite pelo confronto está crescendo. Destacados democratas são atualmente tão eloquentes em sua defesa de tarifas e sanções comerciais à China quanto Trump.
Os perigos de confronto entre EUA e China em torno de comércio são amplificados pelo fato de que ambos os lados parecem acreditar que acabarão vencendo. Os americanos acham que, pelo fato de a China ter um enorme superávit comercial com os EUA, tende a sofrer mais e a recuar primeiro. Os chineses têm consciência da turbulência política reinante em Washington e da sensibilidade dos eleitores americanos às altas dos preços.