UE tem mecanismo para acelerar aprovação da parte comercial do acordo

Feito o anúncio político do acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), a questão agora em Bruxelas é como colocá-lo em vigor sem muito atraso. A medida é importante para as empresas se beneficiarem de acesso preferencial nos dois blocos. A Comissão Europeia pode recorrer a um “Acordo Comercial Provisório”. É uma forma de separar a parte comercial do acordo para entrar em vigor sem ter de esperar pela ratificação dos mais de 30 parlamentos nacionais e regionais dos Estados membros.

A Comissão Europeia tem a possibilidade de recorrer a um Acordo Comercial Provisório (Interim Trade Agreement). É um modelo de “splitting”, mecanismo pelo qual se pode separar a parte comercial do acordo para entrar em vigor provisoriamente sem necessidade de ser ratificado pelos mais de 30 parlamentos nacionais e regionais dos Estados membros.

Com isso, Bruxelas poderá validar o acordo por maioria qualificada (pelo menos 15 países representando 65% da população) dos Estados membros e uma maioria do Parlamento Europeu – o que tampouco é fácil, mas reduz o risco de veto de algumas capitais.

O uso do “splitting” já está sob intensas críticas de certos setores contra o acordo. Na prática, porém, esse mecanismo é um reconhecimento da Comissão Europeia de que todos os acordos comerciais que a UE negociar precisarão ser divididos, sem exceção, para poder entrar em

vigor, diante do ambiente protecionista em vários países, incluindo a França, que paradoxalmente é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo.

O primeiro modelo de “splitting” usado pela UE ocorreu no acordo com o Canadá. O segundo foi adotado com o Chile, mas só como uma mudança de apresentação, porque na prática resulta no mesmo.

Bruxelas negociou um acordo completo com o Chile incluindo o pilar político e de cooperação e o pilar de comércio e investimento (com disposições de proteção do investimento).Ao mesmo tempo, foi feito um Acordo Comercial Provisório (ITA) entre a UE e o Chile abrangendo apenas as partes do pilar de comércio e investimento que são da competência exclusiva da Comissão Europeia (isto é, não incluindo as disposições de proteção do investimento).

Esse ITA foi adotado através do processo de ratificação apenas pela UE (consentimento do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu) e vai expirar quando o acordo completo entrar em vigor, ninguém sabe quando.

No caso do Mercosul, uma decisão da Comissão Europeia virá provavelmente dentro de um ano, depois da tradução e revisão jurídica do acordo anunciado em Montevidéu, levando em conta as turbulências políticas internas de alguns países nos quais o Mercosul é apenas um bode expiatório nas discussões e não o problema local.

Até lá, a UE tentará dissipar a demagogia de alguns políticos e os temores dos agricultores. Bruxelas insiste que as importações procedentes do Mercosul representam uma percentagem insignificante do consumo europeu, como 0,1% para carne de porco e 1,5% para carne bovina. Em contrapartida, inclusive o agro europeu ganha, sem contar a vantagem enorme que terão os setores industrial e de serviços.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, prometeu que “no caso pouco provável” onde o setor agrícola europeu sofrer com a aplicação do acordo birregional, a Comissão terá em reserva um fundo de pelo menos € 1 bilhão (R$ 6,4 bilhões) para ajudá-los.

Além dos argumentos econômicos em seu favor, o acordo com o Mercosul “responde também a uma necessidade geopolítica”, diz ela.

A paisagem mundial tornou-se mais fragmentada e mais conflituosa que antes. As restrições comerciais no mundo mais que triplicaram no ano passado. Enquanto isso, o acordo com o Mercosul dará potencialmente acesso melhorado inclusive para minerais críticos, que a Europa precisa para sua transição verde e digital e para sua defesa.Atrasar sua implementação significará para a Europa continuar perdendo terreno para a China, sobretudo. Para se ter uma ideia, o Paraguai, membro do Mercosul, tem relações diplomáticas com Taiwan e não com a China. Mas é a China o maior exportador para o Paraguai, e não o vizinho Brasil ou a UE.

Além disso, as perspectivas comerciais são obscurecidas por mudanças na política comercial dos Estados Unidos, incluindo tarifas punitivas acenadas por Donald Trump. Elas podem desencadear retaliações e efeitos em cascata, impactando setores e economias em todos os níveis das cadeias de suprimentos. A União Europeia, com superavit de US$ 205 bilhões no comércio com os EUA, é um dos mais vulneráveis nesse cenário.

Muita coisa vai acontecer em 2025, para um lado como para outro, que poderá fortalecer os que querem acelerar a implementação do acordo como os que querem enterrá-lo.

A presidência rotativa da Europa será ocupada a partir de janeiro de 2025 pela Polônia, que rejeita o acordo com o Mercosul e tende a não se mexer muito pela sua ratificação.

No lado do Mercosul, a presidência estará com a Argentina, com o governo de Javier Milei que não perde ocasião de detonar o bloco sul-americano, vai jogar com enorme ardor o papel de parceiro de Donald Trump e está reavaliando a posição argentina em todos os acordos ambientais e climáticos.

A Argentina já disse que não sairá do Acordo de Paris. Mas a imprevisibilidade de Milei é enorme. Se ele retirar a Argentina desse acordo do clima, a União Europeia suspenderia as concessões comerciais para os argentinos. Seria um ruído a mais na já complicada situação envolvendo o acordo.

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