A nova presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, que assume no dia 1o de novembro, pretende introduzir uma “taxa carbono” nas fronteiras europeias, o que colocará mais pressão sobre os parceiros na área ambiental.
A ideia de von der Leyen é taxar produtos importados de países cuja fabricação resultam em muitas emissões de dióxido de carbono (CO2), ou seja, punir indústrias poluidoras. Quer evitar a chamada fuga de carbono, que é o deslocamento de produção intensiva de carbono para países fora do mercado comum europeu.
“Isso [a taxa carbono] poderá encorajar nossos parceiros comerciais a reduzir suas emissões de CO2 “, afirmou a comissária de Comércio da UE, Cecilia Malmström, na semana passada, após lamentar o desmatamento e queimadas na Amazônia, e considerar que política ambiental no governo de Jair Bolsonaro vai na direção errada.
O plano de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia, que é o braço executivo da UE, pode alimentar contenciosos sobre “protecionismo verde” para proteger a indústria europeia.
“É irônico que os novos líderes da UE, que incansavelmente defendem mercados abertos, provavelmente desencadearão um conflito entre a preservação do clima e o livre comércio”, escreveu Jean Pisani-Ferry, do think tank Bruegel, em Bruxelas.
Mas “esse confronto é inevitável [e] a forma como será gerido determinará o destino da globalização e do clima”, acrescenta Pisani-Ferry, que foi membro central da equipe de Emmanuel Macron na eleição do presidente francês.
Os EUA, sob a Presidência de Donald Trump, abandonaram o Acordo de Paris contra mudanças climáticas. A Casa Branca está mesmo brigando com o Estado da Califórnia, que impõe padrões ambientais mais rígidos para o setor automotivo, por exemplo. China e Índia, embora tenham planos de fazer transição ecológica, tampouco aceitariam sem reação sobretaxa sobre suas exportações.
Reforçar proteção ao meio ambiente é apenas uma área em que o comércio pode fazer uma diferença positiva, na visão de Bruxelas. Mas impor a taxa carbono não será fácil. Faz 10 anos que a França propõe essa taxação, em meio ao desinteresse da Alemanha, o motor da economia europeia.
No entanto, a situação está mudando. A reação internacional sobre as queimadas na Amazônia é uma ilustração disso.
Ursula von der Leyen, para ser eleita pelo Parlamento Europeu, prometeu um “pacote verde”. Inclui tornar a Europa o primeiro continente neutro em carbono por volta de 2050. A partir dessa data, a Europa não deverá jogar na atmosfera mais gás de efeito estufa do que reservas naturais e artificiais são capazes de absorver. A UE quer liderar negociações internacionais para aumentar o nível de ambição de outros países nas reduções de emissões de CO2.
A nova presidente da Comissão quer levar adiante um “Plano Verde para a Europa” nos primeiros 100 dias de seu mandato. Para financiar a transição verde, propõe transformar uma parte do Banco Europeu de Investimento (BEI) numa instituição para o clima afim de desbloquear € 1 trilhão de investimentos para a próxima década.
A descarbonização da economia europeia custará caro e, no início, vai inevitavelmente cortar empregos, reduzir renda e restringir oportunidades econômicas, nota Jean Pisani-Ferry.
Nesse cenário, von der Leyen vê a introdução da taxa carbono na fronteira como uma forma de assegurar as mesmas condições de concorrência entre produtos europeus e os de terceiros países. A Europa tem precificação de carbono, que torna mais oneroso produzir com tecnologias carbono intensivas.
Uma possibilidade, segundo fontes, seria uma expansão gradual da cobertura de uma taxa carbono na Europa. Assim, indústrias mais poluidoras, como siderúrgica, alumínio e cimento, estariam entre as primeiras alvejadas quando exportarem para a UE.
O presidente da ArcelorMittal, maior grupo siderúrgico do mundo por produção, Lakshmi Mittal, tem conclamado a UE a aumentar o custo de produtos importados vindos de países sem preço de carbono, para ajudar as companhias europeias na luta para conter o aquecimento do planeta.
Alguns analistas consideram que esse tipo de taxação tem enorme complexidade técnica. Acham difícil medir o conteúdo preciso de carbono de importações ou comparar diferentes esquemas nacionais de precificação de carbono. Outros, porém, mencionam etiquetas ecológicas e mesmo a tecnologia do “blockchain”, que tornarão possível medir a poluição em produtos importados.
Malmström reconhece que “muitas vozes já expressaram dúvidas” sobre a taxa carbono, a começar sobre a compatibilidade com regras do comércio internacional. Para ela, qualquer medida que a futura Comissão Europeia adotar precisará ser não discriminatória e estar em conformidade com a Organização Mundial do Comércio (OMC), “mas isso não quer dizer que não possa ser feita”.
Para a comissária, que deixa o cargo no fim de outubro, “novos desafios significam olhar além do que pensamos saber e quebrar nossos preconceitos”. E admite que, como sempre ocorre no comércio, “o diabo estará nos detalhes”.
Para a UE, o Acordo de Paris é essencial para levar as empresas a redirecionar pesquisas e investimentos para tecnologias verdes. Daí também porque voltou a lembrar a Bolsonaro que o compromisso assumido no acordo UE-Mercosul, para implementar o tratado, não pode ser apenas palavra vazia.
https://www.valor.com.br/internacional/6426625/ue-planeja-impor-uma-taxa-carbono-sobre-importacoes#