Grandes editoras e redes de TV vêm se posicionando como um “porto seguro” para os anúncios de marcas que reconsideram os riscos de plataformas digitais como o YouTube.
Nas últimas duas semanas, um boicote publicitário contra o YouTube iniciado no Reino Unido disseminou-se para o resto do mundo, depois de grandes anunciantes como Coca-Cola, AT&T, Volkswagen e Johnson & Johnson terem abandonado essa e outras plataformas do Google diante da enxurrada de notícias sobre a exibição de anúncios ao lado de vídeos extremistas e depreciativos.
O Google desculpou-se publicamente pelos incidentes e anunciou mudanças em seus produtos e políticas de anúncios para abrandar os receios quanto a esses riscos, como mostrou artigo do Financial Times, assinado por Shannon Bond, publicado no Valor de 2/04.
“Sempre que alguém tem um problema, isso é uma oportunidade de negócios para outro alguém”, disse Peter Naylor, chefe de vendas de anúncios do Hulu, serviço de transmissão de vídeos pertencente à Walt Disney, 21st Century Fox, Comcast e Time Warner.
Com o crescimento do mercado de anúncios digitais – nos Estados Unidos atualmente já rivaliza com os US$ 70 bilhões gastos anualmente nas TVs -, os anunciantes passaram a prestar mais atenção em como seu dinheiro é gasto, em quem vê seus anúncios e onde suas marcas são exibidas na internet.
Empresas especializadas em comprar espaço publicitário na mídia destacaram que os problemas no YouTube deixaram os clientes se perguntando em que outros lugares poderiam estar vulneráveis. O conteúdo gerado pelos usuários nas mídias sociais está especialmente sob suspeita.
“As pessoas começaram a perguntar ‘Como precisamos pensar o Facebook? E o Snapchat?”, disse um executivo de publicidade.
Segundo Naylor, na publicidade digital, “ao longo do tempo houve preocupações sobre temas como o tráfego não humano, o grau de visualização e agora sobre conteúdos controversos”. Em uma era ceticismo digital, nós sempre fomos um porto seguro.”
A News Corp., dona jornal nova-iorquino “The Wall Street Journal” e do londrino “The Times”, cuja reportagem sobre a localização dos anúncios no YouTube desencadeou as novas turbulências, esteve entre as primeiras proprietárias de meios de comunicação a pronunciar-se de forma mais enfática.
“Os anunciantes precisam voltar ao básico para proteger suas marcas contra sérios danos e proteger-se contra o envolvimento em atividades potencialmente criminosas, seja na forma de apoio a grupos extremistas ou de financiamento à pornografia pesada”, afirmou o executivo-chefe da News Corp., Robert Thomson, horas depois de a notícia ser publicada no “The Times”.
O Google prometeu mudanças. “Como anunciado, iniciamos uma extensa reavaliação de nossas políticas de publicidade e assumimos um compromisso público de promover mudanças que deem às marcas mais controle sobre onde seus anúncios aparecem.” E acrescentou: “Embora reconheçamos que nenhum sistema seja 100% perfeito, acreditamos que esses passos importantes vão proteger ainda mais as marcas de nossos anunciantes e estamos comprometidos a ficar vigilantes e a continuar melhorando com o tempo.”
Para as empresas de televisão, o momento não poderia ser melhor para ver um grande concorrente pelo orçamento dos anunciantes emaranhado em problemas. As redes de TV estão em meio à temporada de venda antecipada de anúncios, quando são feitos quase 70% dos gastos anuais em comerciais.
O Google, que absorve mais de 30% da receita mundial em anúncios digitais, segundo a empresa de pesquisas eMarketer, saiu à caça dos dólares das emissoras de TV ao permitir aos marqueteiros comprarem anúncios em canais com milhões de inscritos em suas plataformas e ao lançar para os consumidores seu próprio pacote de TV paga “skinny”, que agrupa um número menor de canais tradicionais a preços mais baixos.
As redes de TV contra-atacaram e passaram a enfatizar suas próprias ofertas publicitárias digitais e a qualidade da programação que produzem — uma tendência que vem se acelerando nos últimos anos e que antecede o recente contratempo do Google.
“[O local] onde um anúncio está é simplesmente tão vital quanto a quem alcança, talvez até mais”, disse Jon Steinlauf, chefe de vendas de anúncios do grupo de canais de TV Scripps Networks Interactive, em entrevista coletiva antes de uma apresentação a anunciantes na semana passada. A dona do canal Food Network havia escolhido como lema “o ambiente é importante” para sua temporada de venda antecipada de anúncios antes mesmo do início do boicote publicitário contra o YouTube, mas a frase deixa em evidência a forma como a indústria de televisão busca diferenciar-se pela qualidade da programação.
Na apresentação de venda antecipada do grupo de canais Discovery Communications, na quarta-feira, executivos martelavam outro refrão bastante usado: a TV também é digital. A empresa destacou as alianças de seus canais, entre os quais o Discovery Channel e o TLC, com o Snapchat e a Amazon.
“As equipes de vendas de anúncios de TV provavelmente [vão] tentar aproveitar as preocupações dos anunciantes […] Em termos mais gerais, as grandes plataformas digitais podem responder acelerando os investimentos em conteúdo premium”, disse o analista Anthony DiClemente, da corretora Nomura Instinet, em informe a clientes. Ele estima que o Google poderia perder US$ 750 milhões em receitas neste ano e disse que “em certa medida, a confiança dos investidores na capacidade do YouTube de arrebatar progressivamente participação do orçamento publicitário das TVs diminuiu”.
Ainda assim, embora as emissoras de TV possam se beneficiar no curto prazo dos infortúnios do Google, analistas e compradores de espaço publicitário em mídia não preveem uma desaceleração na tendência geral de migração dos gastos para a esfera digital – que também beneficia os donos de TVs.
“A realidade é que a audiência está caindo. Na verdade, [os marqueteiros] precisam de outros canais. Eles precisam do YouTube”, disse um comprador de espaço em mídia.