Trump põe em cheque modelo americano de publicidade

Os anunciantes dos Estados Unidos estão às voltas com uma dura realidade: depois de passar anos cortejando os consumidores americanos com imagens de uma requintada vida urbana, eles podem ter julgado mal os anseios de grande parte de sua audiência.

Na esteira da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas, em que ele recebeu um forte apoio de eleitores de classe média, os anunciantes estão se perguntando se eles perderam o contato com essas mesmas pessoas — eleitores da zona rural, frustrados com a economia, desconfiados da elite e contrários à globalização — que levaram o empresário à Casa Branca. A ascensão de Trump fez essas empresas repensarem a forma como vêm coletando dados sobre consumidores, contratando funcionários e lançando produtos, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por Alexandra Bruell e Suzanne Vranica, publicada no Valor de 23/11

Dias após a eleição de 8 de novembro, o líder da McCann Worldgroup, gigante americana da publicidade, reuniu seus principais executivos para discutir o que a empresa poderia aprender com o resultado surpreendente. Para eles, uma lição foi o fato de muitas propagandas erradamente presumirem que todos os consumidores americanos querem ser como as elites das áreas costeiras.

“De vez em quando, você tem que reavaliar quais são as aspirações do público com relação aos produtos que vendemos”, diz Harris Diamond, diretor-presidente da McCann. “Tantos programas de marketing são direcionados ao imaginário da elite das cidades.” O marketing precisa refletir menos a cultura de Nova York e Los Angeles, diz ele, e mais a de cidades do interior, como Des Moines e Scranton, situadas nos Estados de Iowa e Pensilvânia, respectivamente.

Alguns profissionais de marketing, preocupados com o fato de os dados não estarem informando tudo o que precisam saber, estão pensando em usar nas pesquisas mais entrevistas feitas pessoalmente. Enquanto isso, algumas agências de publicidade estão procurando contratar mais pessoas de áreas rurais e reconsiderando o disseminado uso de mensagens que apelam para uma suposta aspiração a um estilo de vida luxuoso nas duas capitais costeiras. Uma empresa está cogitando abrir mais escritórios ao redor do mundo, onde as pessoas que criam anúncios estão mais próximas do público-alvo.

“Essa eleição é um momento seminal para os profissionais de marketing darem uma parada e entenderem o que está na mente das pessoas e o que realmente determina as escolhas do consumidor”, diz Joe Tripodi, diretor de marketing da rede de lanchonetes Subway.

Considerando como as pesquisas subestimaram o apoio a Trump, o resultado da eleição americana ressalta as limitações de “metodologias de pesquisa que, mesmo na era do ‘big data’, estão sujeitas ao viés humano”, diz Antonio Lucio, diretor de marketing da HP Inc.

Por isso, a HP, braço de computadores pessoais e impressoras da antiga Hewlett-Packard Co., está reavaliando sua dependência de técnicas de pesquisa como as feitas on-line e a necessidade de mais entrevistas realizadas pessoalmente e uma interação maior entre pesquisadores e entrevistados em suas casas e nos ambientes de trabalho.

David Sable, diretor-presidente global da Y&R, agência de criação do grupo WPP PLC, diz que a eleição é uma lição para os profissionais de marketing e as agências que se apaixonaram demais pelo ‘big data’. Sable diz que a Y&R irá “dobrar” os investimentos em seu programa eXploring, que inclui passar tempo com os consumidores em seus ambientes. “Se você quer descobrir como um leão caça, você não vai ao zoológico, vai à selva”, diz ele.

David Droga, presidente de criação do conselho e fundador da agência de publicidade Droga5, que tem entre seus clientes a Yum Brands Inc., dona das redes Pizza Hut e KFC, e o banco J.P. Morgan Chase, diz que a eleição validou a abordagem imersiva.

Neste ano, a agência enviou uma equipe para a sede da fábrica de linguiças Johnsonville, no Estado de Wisconsin, para entrevistar vários funcionários para uma campanha publicitária. “Realmente queremos ter certeza de que não apenas entendemos nossa demografia, mas o modo de pensar da nossa democracia neste momento”, diz Droga. A Droga5 também trabalhou para a candidata democrata Hillary Clinton, incluindo um anúncio para TV que a retrata lutando pelas crianças durante toda sua vida pública.

Executivos de publicidade também dizem que o resultado surpreendente da eleição provavelmente limitará os gastos com publicidade em 2017, enquanto profissionais de marketing tentam descobrir quais consequências as decisões do novo governo terão nas empresas.

“Eu acredito que haverá uma desaceleração” no primeiro trimestre porque os profissionais de marketing vão adotar uma postura de “esperar para ver” em relação às políticas de Trump, afirma Maurice Lévy, diretor-presidente da empresa francesa de publicidade Publicis Groupe SA.

A GroupM, que pertence à WPP e é a maior compradora de espaços de anúncios do mundo, antecipa que os gastos com publicidade nos EUA vai crescer 3% no próximo ano, para US$ 183,9 bilhões. Kelly Clark, diretor-presidente global da GroupM, agora prevê que o crescimento dos gastos com anúncios no país provavelmente vai cair alguns pontos percentuais durante os próximos seis meses. “Nós acreditamos que as decisões de investimentos serão adiadas”, diz Clark.

Se as agências internalizarem as mudanças sociais que a eleição revelou, o conteúdo ou o tom da publicidade podem mudar, preveem alguns executivos do setor publicitário.

A eleição espantou a elite liberal, levando-a para longe da publicidade de alto conceito, do tipo “tornar o mundo um lugar melhor”, e em direção de uma abordagem mais realista como “o que você fará por mim’”, diz Robert Senior, diretor-presidente mundial da firma de criação Saatchi & Saatchi, que pertence à Publicis Groupe.
Senior diz que a mudança irá acarretar um uso menor de imagens fantásticas e do escapismo e de mais pessoas reais nos anúncios publicitários.

Tripodi, do Subway, diz que os profissionais de marketing se concentram demais em agregar as pessoas em grupos mais amplos e que anunciantes globais, como a rede, devem tentar produzir mais anúncios locais que reflitam as preocupações de comunidades específicas.

Diamond, da McCann, diz que a empresa, que tem escritórios em cerca de 90 países, já está se movendo em direção a centros mais regionais. Agora, ela quer fortalecer suas equipes locais de criação, diz o executivo.

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