The Economist: China e UE estão perto de conflito comercial gigante

China e União Europeia não podiam ter estabelecido expectativas mais baixas para sua cúpula, em 7 de dezembro, em Pequim. Antes de Xi Jinping receber o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, autoridades da UE alertaram que acordos substantivos envolvendo comércio, mudanças climáticas ou diferenças geopolíticas eram improváveis.

Osvisitantes europeus deveriam abordar o assunto da proximidade da China com a Rússia e perguntar a respeito de supostas vendas chinesas de itens de uso duplo, como semicondutores ou componentes de drones, que ajudam o esforço de guerra da Rússia na Ucrânia. Lamentavelmente, a China endureceu sua posição em relação à Ucrânia nos meses recentes.

Autoridades chinesas deixaram diplomatas ocidentais com a impressão de que esperam ver Vladimir Putin evitando uma derrota humilhante e a unidade do Ocidente ruindo, tornando um conflito congelado um desfecho provável. Caso a indiferença da China em relação à pressão moral não tenha ficado clara o suficiente, em 4 de dezembro Xi recebeu o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, pela segunda vez este ano. Xi falou a respeito de fortalecer a confiança política em Lukashenko, um aliado de Putin e pária nos círculos europeus.

Pode-se argumentar que a cúpula China-UE não era tão urgentemente necessária quanto a reunião, no mês passado, entre Xi e o presidente Joe Biden na Califórnia. O governo chinês tinha cortado os canais de comunicação com os EUA havia meses. Em contraste, os diálogos e grupos de trabalho China-UE nunca pararam. Dito isso, os contatos recentes de alto nível entre China e UE têm sido descritos da seguinte forma: “fala-se a respeito de tudo, sem resultados concretos”.

Mas a ausência de dramaticidade não deve ser confundida com calmaria. Um confronto comercial gigantesco está à espreita. As tensões estão altas porque, como em tantas ocasiões no passado, os formuladores de políticas e as autoridades locais da China subsidiaram capacidade excedente em um setor promissor.

Ao longo dos anos, o ambiente industrial europeu foi reformulado várias vezes em razão de a China abrir muito mais empresas e fábricas do que os mercados precisam. Enquanto no passado a ameaça envolvia commodities básicas, como aço, ultimamente a China tem alcançado posição dominante em setores avançados que firmas europeias lideravam anteriormente, como turbinas eólicas ou energia solar.

Outro setor desse tipo é o de carros, uma indústria que cativa poderosamente os corações e as mentes do público. A China tem colocado foco em veículos elétricos a bateria. Mesmo após a consolidação no setor, mais de mil empresas ainda produzem esses carros. Poucas marcas têm nível mundial. A maioria vende mais barato que as competidoras ocidentais.

As empresas chinesas alcançaram o domínio por meio de uma mistura entre subsídios e transferências coercivas de tecnologias estrangeiras, e também com muito trabalho duro e visão de futuro, superando empresas estrangeiras que tardam em mudar. Conjuntamente, as empresas chinesas fabricam muito mais carros que o mercado chinês demanda.

Alguns governos europeus estão dispostos a apelar para o simples protecionismo. Em outubro, a Comissão Europeia lançou uma investigação a respeito dos veículos elétricos chineses e a possível oferta de subsídios que violam leis internacionais de comércio e prejudicam as empresas da UE. A investigação poderá determinar imposições de tarifas punitivas — e já enfureceu a China. Fabricantes de carros alemães — cujas operações na China continuam grandes, apesar de menos lucrativas que antes — temem retaliações.

Em um discurso recente, Von der Leyen disse a políticos alemães que a Europa enfrenta uma competição insustentável. “Há uma clara capacidade excedente na China, e essa produção excedente será exportada especialmente se a capacidade excedente é ocasionada por subsídios diretos e indiretos”, afirmou ela. “Isso se agravará conforme o ritmo da economia chinesa diminuir e sua demanda doméstica não se recuperar.”

No início de dezembro, a reportagem compareceu ao Stockholm China Forum, um encontro privado em Cingapura de autoridades americanas, chinesas e europeias organizado pelo German Marshall Fund, um instituto de análise, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores da Suécia. Um tema foi a capacidade excedente da China em manufatura e seu potencial de prejudicar as tentativas europeias de “baixar o risco” das relações com a China.

Considerar essa perspectiva nos faz pensar a respeito dos objetivos da UE como se fossem lados de um triângulo. De um lado está a determinação do bloco em adotar tecnologias verdes, baixas em emissões de carbono. De outro, o desejo de pôr fim a dependências prejudiciais em relação a produtos e aportes chineses. E do terceiro lado está o objetivo de preservar empregos na indústria. Neste momento, a Europa não é capaz de ter os três lados deste triângulo.

Difícil de conciliar

A UE poderia priorizar o primeiro objetivo colocando foco em importar veículos elétricos chineses e outras tecnologias limpas. Mas isso ignoraria os temores a respeito de negócios e empregos perdidos. As autoridades europeias preocupam-se com a possibilidade de milhões de carros chineses inundarem seus mercados a cada ano, especialmente conforme tarifas e outras regras fecham mercados americanos para as baterias produzidas na China. Evidentemente, preservar empregos e empresas na UE bloqueando os veículos chineses levantaria o problema oposto: a Europa ficaria menos verde do que deseja ser. E esses protecionismos também prejudicam os motoristas.

Um desafio maior diz respeito ao segundo lado do triângulo. A China está determinada em manter a UE dependente de suas cadeias de fornecimento. De fato, em 2020 Xi classificou essas dependências como uma “poderosa contramedida” para controlar estrangeiros. Desde então, a China impôs controles sobre exportações de minerais críticos, incluindo uma forma de grafite artificial que as empresas europeias precisam para fabricar baterias avançadas.

A UE poderia trabalhar para evitar depender de tecnologias chinesas ao mesmo tempo que tenta manter suas fábricas funcionando. Mas, sem minerais chineses, por exemplo, essas mesmas fábricas não são capazes de produzir carros elétricos ou baterias em escala, o que força a Europa a adiar ou renunciar à sua revolução para a economia de baixas emissões de carbono. Portanto, nos próximos anos a Europa terá de escolher entre salvar o planeta, ser independente em relação à China e proteger sua indústria.

A China, de sua parte, continua a investir pesadamente em manufatura. As autoridades chinesas parecem acreditar que o poder e o controle de seu país sobre os mercados de tecnologias limpas forçarão a Europa a recuar. Elas esperam que a comissão de Von der Leyen não obtenha apoio de importantes governos europeus. Talvez elas estejam certas. Mas se estiverem erradas, isso poderia terminar em guerra comercial. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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