A Super Terça costuma ser um dia-chave e carregado de emoção na política americana. Nesta data, diversos estados escolhem os candidatos para a eleição em novembro e, assim, afunilam uma corrida até então indefinida.
Mas não neste ano. Na disputa de 2024, em que quase tudo tem fugido à tradição, a data está sendo encarada muito mais como a linha de chegada das primárias e o início de uma longuíssima campanha presidencial.
Do lado republicano, se ainda resta alguma dúvida sobre a nomeação de Donald Trump, ela deve acabar quando saírem os resultados dos 15 estados –Alabama, Alasca, Arkansas, Califórnia, Colorado, Maine, Massachusetts, Minnesota, Carolina do Norte, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Vermont e Virgínia– que votam nesta terça.
A expectativa é que o empresário leve boa parte dos 865 delegados em jogo, deixando-o muito perto dos 1.215 necessários para cravar sua nomeação, a qual deve ser oficializada na convenção nacional do partido, de 15 a 18 de julho.
Confirmadas as vitórias de Trump nesta terça, Nikki Haley, sua única concorrente restante na corrida republicana, já indicou que deve anunciar sua desistência.
O empresário acumula 244 delegados, obtidos com as vitórias em Iowa, New Hampshire, Nevada, Carolina do Sul, Ilhas Virgens, Wyoming, Idaho, Michigan e Missouri. Haley tem apenas 43 –desses, 19 foram obtidos na sua única vitória até agora, em Washington (Distrito de Colúmbia), no último domingo. O restante veio do cálculo proporcional por ter ficado em segundo ou terceiro lugar em outras disputas.
“Não há muita dúvida de que Trump vai vencer nesta terça. A única questão é quão cedo Nikki Haley vai decidir sair da corrida. Veremos isso agora”, diz o professor de ciência política da Universidade Duke Asher Hildebrand.
“Eu realmente acho que as votações nesta terça já parecem uma eleição geral, e a partir de então não teremos mais dúvidas disso”, completa o pesquisador, que foi diretor de pesquisa e política da última campanha de Barack Obama na Carolina do Norte.
Às vitórias nas urnas de Trump se somam decisões favoráveis na Justiça. Nesta segunda, a Suprema Corte anulou a eliminação do nome do empresário das primárias do Colorado, aplicando o mesmo julgamento para Maine e Illinois, que haviam adotado ação semelhante
Além disso, os juízes também aceitaram ouvir o recurso apresentado pelo empresário em que ele alega não poder ser processado por crimes supostamente cometidos quando era presidente porque o cargo lhe garantiria imunidade. Enquanto uma decisão não for emitida, o julgamento de Trump no processo em que ele é acusado de tentar reverter sua derrota na eleição, marcado inicialmente para esta segunda (4), não pode começar.
No campo democrata, Joe Biden deve ganhar facilmente em todos os estados e no território da Samoa Americana, que também realiza sua votação na Super Terça. Oficialmente, o partido anuncia seu candidato na convenção nacional, que ocorre de 19 a 22 de agosto. Assim como no caso de Trump, porém, a única chance de ele não ocupar a vaga é se algo extraordinário acontecer.
Seus dois competidores restantes, Marianne Williamson e Dean Phillips, não conseguiram nenhum delegado até agora. Em Michigan, ativistas alcançaram mais do que o dobro dos votos obtidos pelos dois com a campanha para votar “uncomitted” (sem compromisso), um tipo de voto em branco em forma de protesto contra o apoio de Biden a Israel.
Mobilizações semelhantes acontecem em outros estados, mas não é esperado que o desempenho se repita –Michigan é um caso à parte porque concentra a população árabe-americana.
A confirmação de Trump e Biden como os candidatos à Presidência após a Super Terça crava um repeteco da eleição de 2020 rechaçado por boa parte do eleitorado. Pesquisa Reuters/Ipsos realizada em janeiro, por exemplo, mostrou que cerca de 67% dos entrevistados se diziam cansados de ver os mesmos candidatos na eleição presidencial e que gostariam de alguém novo.
Levantamento mais recente, divulgado pelo New York Times no final de semana, aponta que a maioria dos americanos têm uma visão desfavorável de ambos: 59% no caso de Biden e 54% no de Trump. Assim, o cenário que se desenha é o de uma corrida presidencial inusualmente longa entre dois candidatos arriscadamente impopulares.
O mesmo levantamento do jornal americano, realizado entre os dias 25 e 28 de fevereiro, mostra o republicano 5 pontos percentuais à frente de Biden entre eleitores registrados. A margem de erro, no entanto, de 3,5 p.p., coloca ambos em empate técnico.
“Nós atingimos um nível de polarização a tal ponto que as pessoas estão exaustas com a política. Há um temor de que ela não vai mais mobilizar as bases, mas sim evitar pessoas mais ao centro de votarem”, diz a cientista política Sunshine Hillygus, que pesquisa comportamento político americano na Universidade Duke.
“O risco que enfrentamos é termos uma participação ativa das alas mais extremistas da população, e menor da maioria dos americanos, que são moderados”, completa.