Cozinhas da região de Palo Alto perderam espaço e seus chefs para empresas de tecnologia. Há pouco tempo ainda era possível sentir da rua o aroma de camarões e de pizzas feitas no forno à lenha que ficava na área externa de um restaurante chamado Zibibbo, que em seu auge foi bastante popular. Agora, a área externa está cercada por grades e escurecida por vidros jateados. O forno sumiu. Depois de 17 anos de funcionamento, o restaurante fechou as portas em 2014. Hoje, ele é ocupado por um escritório de investimento de risco da American Express e por uma incubadora de startups.
Ao todo, mais de 6,5 mil metros quadrados de pontos comerciais de Palo Alto, onde antes havia lojas e restaurantes, foram convertidos em espaços de escritório entre 2008 e 2015, à medida que a bolha da tecnologia fez crescer a demanda por espaço no centro da cidade, como mostrou matéria do The New York Times, assinada por Nicole Pwerlroth, publicada no estadão de 23/10.
Essa história tem se repetido por todo o Vale do Silício, onde os donos de restaurante afirmam que manter as portas abertas tornou-se uma batalha diária, por causa do reajuste constante dos aluguéis, dos altos impostos municipais e da falta de mão de obra. Além disso, gigantes de tecnologia como Apple, Facebook e Google sempre contratam os melhores cozinheiros, ajudantes de cozinha e garçons, com salários, benefícios e vantagens com as quais os donos de restaurante são incapazes de competir.
Os tecnólogos do Vale do Silício adoram falar sobre como desestabilizam até as coisas mais simples do cotidiano: da forma como vamos ao trabalho até a maneira como compartilhamos fotos com a família. Mas, no meio do caminho, eles também deixaram o setor de restaurantes de pernas para o ar.
Isso talvez não seja um problema para os funcionários do setor, que têm acesso a alimentos frescos e gratuitos nas lanchonetes das empresas, mas para o resto das pessoas que vivem aqui, existe um abismo entre os serviços de delivery e as refeições de US$ 500 nos restaurantes de alto padrão.
“O tipo de restaurante que conhecemos vai deixar de existir aqui em um futuro próximo”, afirmou Howard Bulka, chefe de cozinha e proprietário do Howie’s Artisan Pizza, em Palo Alto, além de outro restaurante em Redwood City. “Palo Alto é barra pesada. Muitas pessoas tentam sobreviver e já pensam em deixar o setor.”
Sem teto. Com margens de lucro apertadíssimas, os donos de restaurante não conseguem aumentar os salários dos funcionários. Pagar um salário digno é um problema sério em Palo Alto, onde apartamentos de um quarto são alugados por US$ 2,8 mil, em média, o mesmo que em Nova York, de acordo com o Rent Jungle. Os trabalhadores também estão deixando as cidades vizinhas onde os preços costumavam ser mais acessíveis, como Cupertino e San Jose, já que a demanda pelas novas gerações de trabalhadores aumentou o valor do aluguel de apartamentos de um quarto para mais de US$ 2,5 mil ao mês.
Palo Alto exige que os restaurantes paguem impostos por coisas como a melhoria das calçadas, a manutenção das árvores e as vagas públicas de estacionamento. Os bem sucedidos costumam gastar entre 4% e 6% do faturamento com custos de ocupação, incluindo aluguel e outros gastos, como seguros e impostos imobiliários. Em Palo Alto, a combinação de aluguéis caros e a falta de funcionários elevou os custos para 12% do faturamento bruto dos restaurantes da região.
“Do ponto de vista operacional, é arrasador. A lucratividade é baixa demais. Simples assim”, afirmou Bulka.
O dono da Vino Locale, J.C. Andrade, afirmou que o estabelecimento perdeu o chefe de cozinha para o Facebook. A família aumentou o salário dos funcionários e agora oferece um plano de previdência privado, mas Facebook e Google continuam a oferecer salários mais altos do que Andrade ganha como proprietário.
As opções mais recentes para quem vive na cidade são a Zume Pizza, nos arredores de Mountain View, onde robôs preparam a pizza.
A Zume faz entregas em Palo Alto – daqui a alguns anos, poderá usar carros autônomos. Na rua principal de Palo Alto, robôs do tamanho de pessoas adultas, equipados com telas, cumprimentam os pedestres e tentam levá-los para o interior da loja de robôs Beam, que não tem funcionários, a não ser pelos robôs, cujo papel é o de venderem a si mesmos.
“Nós brincamos que vamos todos acabar como os robôs Beam. É só uma questão de tempo até que eles comecem a carregar bandejas”, afirmou Andrade, da Vino Locale.
“O tipo de restaurante que conhecemos vai deixar de existir em um futuro próximo. Palo Alto é barra pesada.”