Cerca de 25 anos atrás, a rede de cafés americana Starbucks decidiu abrir seu capital com a ideia ousada de que clientes americanos pagariam mais de US$ 1 por uma xícara de café.
Agora, a Starbucks está apostando que as pessoas pagarão até doze vezes mais que isso.
Howard Schultz, que transformou a Starbucks em uma marca global, com mais de 25 mil lojas, disse na semana passada que planeja deixar o cargo de diretor-presidente para trabalhar em um projeto dentro da Starbucks que criará cafeterias de alto padrão onde o café pode custar US$ 12 pelo copo “tall”, como é chamada a porção mais popular, de 354 ml, das bebidas quentes da rede.
A Starbucks planeja abrir entre 20 e 30 lojas gigantes da Starbucks Reserve Roastery and Tasting Room, algo como Sala de Torrefação e Degustação da Reserva Starbucks, onde cafés raros e exóticos produzidos em pequenas quantidades seriam torrados na hora e preparados com a utilização de vários métodos de produção. Além disso, a empresa tem planos para outras mil lojas menores com a marca Starbucks Reserve, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por Julie Jargon, publicada no Valor de 8/12.
“Temos visto as chamadas cafeterias ‘independentes’ vendendo xícaras de café por muito mais do que cobramos” e ganhando bastante atenção do público, disse Schultz na semana passada durante uma entrevista ao “The Wall Street Journal”.
Alguns especialistas dizem que o plano da Starbucks de criar uma submarca de cafés de luxo destinada aos endinheirados é uma boa decisão estratégica, considerando o crescente interesse dos consumidores por café de melhor qualidade. Eles também ressaltam o encolhimento da classe média com menos poder de compra, o que ameaça a demanda pelo café tradicional da Starbucks.
Além do café, as novas lojas vão oferecer coquetéis artesanais, inspirados por uma nova geração de bares que oferecem receitas criativas de bebidas variadas e que estão trazendo de volta a atmosfera dos “speakeasy”, os bares clandestinos e elegantes da era da Lei Seca. Schultz disse que os executivos da Starbucks vêm estudando esses bares.
Por quatro trimestres consecutivos, a Starbucks não atingiu as metas de venda em seu maior mercado – os Estados Unidos – algo que atribui à incerteza econômica. A empresa se comprometeu a retornar ao crescimento de vendas histórico de 5% ao ano.
Schultz disse que os planos para criar um nicho superior nasceram há três anos, quando ele notou que os consumidores reduziram significativamente suas visitas aos shoppings centers, trocando as lojas físicas pelas compras on-line. O executivo afirmou que a Starbucks, que depende expressivamente do movimento dos consumidores de shoppings, precisava encontrar uma forma de dar uma experiência luxuosa pela qual sentissem que valia a pena sair de casa.
Erich Joachimsthaler, diretor-presidente da consultoria de estratégia de marca Vivaldi, vincula o que está acontecendo no mercado de café com o que ocorreu no setor de cerveja, que foi afetado pela ascensão das cervejarias artesanais. “Elas nunca se protegeram dos produtos mais caros”, diz ele, referindo-se às cervejarias tradicionais. “Eu acho que a Starbucks está vendo que [a classe] média está desacelerando”, acrescentou.
Não são apenas os ricos que querem pagar mais pelo café promovido como um
produto gourmet. A geração dos “Millenials” é uma grande força no movimento para um café de melhor qualidade, buscando produtos melhores que possuam uma história. Entre 2008 e 2016, a fatia de consumidores de 18 a 24 anos que disseram ter comprado café gourmet no dia anterior cresceu de 13% para 36%, enquanto aqueles com idade entre 25 e 39 anos que fizeram o mesmo cresceu de 19% para 41%, segundo a Associação Nacional de Café dos EUA.
Os consumidores também têm mostrado disposição para pagar mais por tais produtos. Certos torrefadores de cafés especiais cobram por lotes que incluem o nome dos produtores um preço médio por libra até US$ 9,95 maior que aqueles que não incluem a procedência, segundo o grupo de pesquisa Transparent Trade Coffee.
Andrew Hetzel, consultor de política de café e comércio internacional, diz que há uma demanda mundial por café de alta qualidade. Citando dados de várias associações comerciais, ele diz que o consumo global de cafés especiais está crescendo entre 7% e 8% anualmente, ante 1% a 2% de crescimento para todos os cafés.
A Starbucks foi a criadora da categoria de café de alto padrão, mas o cenário mudou drasticamente nos últimos anos, e agora ela se encontra no meio do mercado, com cafeterias independentes e grande empresas como a Blue Bottle Coffee servindo os clientes americanos mais exigentes, enquanto as redes McDonald’s e Dunkin’ Donuts, da Dunkin’ Brands Group, oferecem cafés baratos.
“No setor de café, você tem que escolher um caminho”, diz o analista do Credit Suisse, Jason West.
Ainda assim, a única experiência do novo conceito da Starbucks é a Seattle Roastery, que abriu há dois anos. As vendas em relação ao mesmo número de lojas do ano anterior subiram 24%, e a receita média é quatro vezes superior à de um Starbucks normal.
Brooke de Boutray, gerente de portfólio da empresa de investimento Zevenbergen Capital, diz que as perguntas que estão sendo respondidas agora – se o modelo da loja de luxo pode ser replicado e se as pessoas realmente vão pagar de US$ 6 a US$ 12 por um café – são as mesmas que as pessoas fizeram quando a Starbucks abriu o capital em 1992, com cafés custando entre US$ 0,65 e US$ 2,85. Na época, “conversamos com nossos clientes em fundos de pensão e eles disseram: ‘Quem em sã consciência pagaria US$ 2 por uma xícara de café?”, diz ela.