Retaliação comercial da China atinge base de Trump

O ginseng custa mais na China quando é vendido em caixinhas decoradas com a bandeira americana. Isso faz com que essa popular raiz medicinal seja símbolo apropriado para uma batalha comercial que poderá prejudicar desproporcionalmente comunidades agrícolas no coração dos EUA.
Anunciada no domingo, a retaliação “olho por olho” da China contra as tarifas de Washington ao aço e alumínio afetará cerca de US$ 3 bilhões em produtos dos EUA. E acontece quando os dois países se preparam para as consequências das novas tarifas que o presidente Donald Trump ameaça anunciar nesta semana a produtos industriais chineses de alta tecnologia.
Analistas americanos haviam alertado que a retaliação chinesa poderá atingir grandes volumes de exportações americanas, especialmente de soja, cultivadas nos Estados centrais dos EUA que votaram em Trump para presidente. As tarifas mais seletivas anunciadas por Pequim provavelmente terão um efeito similar, mas deverão causar muito prejuízos à China., como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Lucy Hornby, publicada no Valor de 03/04.
Dos 128 itens na lista chinesa, quase 90 são produtos agrícolas “supérfluos”, como frutas secas, nozes e ginseng. Outros 32 itens envolvem produtos siderúrgicos especiais utilizados na exploração e transporte de petróleo e gás – um setor no qual influentes estatais chinesas investiram nos últimos anos. Os outros dizem respeito a suínos e sucata de alumínio.
“Cada um desses itens é pequeno, não [representando] um grande volume, mas evidenciam a atitude chinesa. Se os EUA persistirem, a China tem condições de reagir”, diz Zhang Monan, pesquisadora do Centro de Intercâmbio Econômico Internacional da China. O comércio de US$ 3 bilhões afetado pelo anúncio de domingo é modesto em comparação com os US$ 14 bilhões apenas em exportações de soja dos EUA para a China, observa ela.
Com uma reação tão seletiva, parece que a China está tentando evitar uma ação muito mais ampla dos EUA sobre produtos eletrônicos e outros produtos manufaturados que são um dos pilares da economia industrial chinesa. Liu He, negociador da China com os EUA, está em contato com autoridades da Casa Branca para evitar a ameaça de Trump de agir caso o déficit comercial bilateral americano não caia em US$ 100 bilhões.
A imposição de tarifas sobre a soja, o principal insumo para o óleo de cozinha e rações para porcos na China, acabaria por elevar a inflação no país. Em contrapartida, os produtos especiais focados nessa rodada de tarifas têm pouco impacto sobre os chineses mais pobres, mas podem afetar certas comunidades americanas.
É o caso do ginseng. Séculos atrás, a colheita excessiva eliminou a variante asiática na península coreana e no nordeste da China. Depois que padres jesuítas atentos detectaram a presença de uma planta semelhante nas florestas americanas, os comerciantes de peles, como o lendário pioneiro Daniel Boone, fizeram fortuna vendendo ginseng para a China durante a dinastia Qing. A planta selvagem é hoje raramente vista nas florestas montanhosas dos EUA, mas a variedade cultivada é o sustento de 140 famílias em Marathon, no Wisconsin.
O ginseng “americano” também é cultivado hoje no nordeste da China, graças às sementes e à tecnologia transferida dos produtores de Wisconsin, origem de 95% do ginseng americano cultivado. Na realidade, a China é, de longe, a maior produtor mundial. Mas o ginseng exportado dos EUA custa 30% mais do que o ginseng “americano” cultivado na China, em grande parte devido a sua alta qualidade.
“É uma medida boa. Eu, pelo menos, como representante do setor produtor de ginseng, vejo com satisfação a tarifa imposta ao ginseng americano”, diz Ding Liqi, secretário-geral da Câmara de Comércio de Ginseng na província de Jilin, onde 70% da produção chinesa é cultivada. “É sem dúvida uma ótima oportunidade para os produtores locais de ginseng.”
Por acaso ou intencionalmente, a imposição de tarifas a produtos agrícolas especializados tem um impacto equivalente ao que teria sobre a soja nas comunidades rurais onde Donald Trump levou a maioria dos votos. Em Wisconsin, Trump derrotou Hillary Clinton por menos de um ponto percentual, mas, no condado de Marathon, ele alcançou 56%, quatro pontos percentuais a mais do que os republicanos obtiveram na eleição em 2012. Já a parcela de votos obtidos pelos democratas despencou.
As tarifas sobre as exportações americanas de carne suína beneficiarão os criadores chineses, onde os preços dos suínos estão em baixa cíclica. Mas causarão forte prejuízo em Iowa, Estado do embaixador dos EUA na China, o ex-governador Terry Branstad, e que produz um terço da carne suína americana. Em todos os condados de Iowa os republicanos tiveram, nas urnas, melhores resultados com Trump em 2016 do que em 2012.
Por outro lado, amêndoas e outras frutas secas e nozes impactadas pelas tarifas chinesas são produtos importantes do Vale Central californiano, fértil, mas propenso à seca. Os fazendeiros da região votaram pesadamente em Trump, apesar de o Estado da Califórnia como um todo ter forte inclinação democrata.
A China é o segundo principal destino das amêndoas californianas, segundo o Conselho de Amêndoas do Estado. O CAE supervisionou a duplicação da área cultivada de amêndoas nas últimas duas décadas, onde pomares substituíram os campos de algodão que demandavam irrigação intensa.
http://www.valor.com.br/internacional/5424675/retaliacao-comercial-da-china-atinge-base-de-trump#

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