Republicanos temem ‘trumpianos’ e ficam paralisados na crise

Se o sistema político dos Estados Unidos estivesse funcionando como deveria, Donald Trump estaria em apuros. O Congresso estaria adotando medidas capazes, em última instância, de levar ao impeachment ou as pessoas do entorno do presidente o teriam dado como inepto para o cargo.
Mas Trump tem uma carta na manga. Nenhum republicano eleito ousa se opor a ele. Qualquer um que pense em desafiá-lo sabe que se arriscará a um linchamento eletrônico capaz de pôr fim à sua carreira. Basta perguntar a Jeb Bush, como mostrou matéria do Financial Times, assinado por Edward Luce, publicada no Valor de 18/05.
O governo dos EUA está em um perigoso beco sem saída. A maioria das pessoas sabe que Trump é inepto para ser o comandante-chefe. Mas ninguém dotado de poder suficiente para corrigir isso encontrou coragem para agir.
A tragédia para os EUA – e o mundo – é que isso tende a persistir pelo menos até as eleições legislativas do ano que vem. Mesmo sinais claros de que Trump está tentando obstruir a Justiça, que foi o motivo principal do impeachment movido contra Richard Nixon, são minimizados. Entre um terço e um quarto dos americanos são partidários ferrenhos de Trump. Eles têm o poder de expulsar os republicanos “rebeldes” nas prévias partidárias para o Congresso.
Os “trumpianos” são moralmente abastecidos por um ecossistema fechado de sites noticiosos, que apresenta o mundo sob uma luz radicalmente diferente da do restante da mídia. Assim, Trump não demitiu James Comey na semana passada. O diretor do FBI (a Polícia Federal dos EUA) pediu demissão, segundo a Fox News. Do mesmo modo, Trump não revelou informações vitais de inteligência ao chanceler da Rússia. Nem pressionou Comey a encerrar a investigação sobre Michael Flynn, primeiro assessor de segurança nacional de Trump, demitido em fevereiro. São notícias falsas.
A maioria desses sites ignorou as revelações desta semana e se concentrou no ataque a tiros a Seth Rich, um membro do Partido Democrata que aparentemente vazou milhares de e-mails para o WikiLeaks no terceiro trimestre de 2016. Os leitores desses sites estão certos de que Hillary Clinton, ou pessoas próximas a ela, estão envolvidas no assassinato de Rich.
Não deveríamos subestimar o poder extraído por Trump dessas narrativas alternativas. Toda vez que as elites manifestam indignação contra seus atos, partidários de Trump se alegram com a angústia das elites. Trump sabe como agradar a sua base. Se isso significar passar segredos aos russos um dia depois de demitir a pessoa que investigava o suposto conluio de sua campanha com a Rússia, melhor.
A academia chama isso de “sectarismo negativo”. As pessoas não aderem mais a um partido por acreditar em sua plataforma, e sim porque desprezam o outro. Ao zombar de seus opositores, Trump está literalmente cumprindo o que prometeu. Trata-se de uma autorização à prática do niilismo.
Isso representa um terrível dilema para os republicanos. Alguns têm esperança de poder aguardar até as eleições que renovarão parte do Congresso em 2108. Os índices de aprovação de Trump estão tão baixos que, se as eleições fossem hoje, os republicanos perderiam o controle da Câmara dos Deputados e talvez do Senado. Com esse risco, os republicanos começariam a abandonar o navio de Trump. Os democratas poderão basear sua campanha na promessa de aprovar o impeachment de Trump. Mas para isso faltam quase 18 meses.

Outros republicanos ainda esperam tirar o que puderem antes de o Titanic começar a afundar.
A maioria, como Paul Ryan, o presidente da Câmara, está preparada para passar pela indignidade de trabalhar com Trump se isso lhes der a oportunidade de aprovar um grande corte de impostos. Para Ryan, esse corte liberaria o espírito animal dos EUA e devolveria a liberdade aos indivíduos.
Trata-se de uma posição coerente. Mas Trump continua a dificultar a tarefa de Ryan, de reunir os argumentos necessários para defender essa tese. Atualmente há uma boa chance de que o furacão em torno de Trump arraste consigo sua agenda econômica. Mesmo se Ryan conseguir realizar a reforma fiscal, será que a barganha terá valido a pena? A resposta é não. Impostos sobem e caem. Mas um grande partido não pode apagar a maneira pela qual agiu em um momento decisivo da história da República.
Por décadas os republicanos defenderam a segurança nacional e a fibra moral da liderança americana. Trump está rasgando esses princípios diante de seus olhos. Não importa o que pensam os liberais, nem os independentes ou a mídia e o serviço diplomático dos EUA. As únicas pessoas que têm poder para punir Trump são os republicanos. E eles estão fazendo vista grossa. Apenas um punhado dos 290 republicanos do Congresso defendeu a nomeação de um promotor especial para investigar Trump. Meu palpite é que, se eles fossem consultados por voto secreto, a maioria aprovaria a ideia.
É possível que mais republicanos saiam da toca quando Trump escolher um novo diretor para o FBI. Se ele nomear um fantoche, será difícil conter as consequências. Vazamentos mais devastadores das agências de inteligência também poderiam incentivar os hesitantes. Até lá, no entanto, os republicanos estão se aferrando à sua barganha trumpiana. É melhor eles torcerem para que esses cortes de impostos valham o sacrifício.

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