Renda cresce, mas americanos não sentem melhora

Num ano de eleição presidencial nos EUA, está difícil encontrar sinais de descontentamento olhando só a conta bancária dos eleitores. Os aumentos de salários e de renda no país ganharam um impulso significativo desde a última eleição, mas, ainda assim, os eleitores continuam muito infelizes. A divergência ressalta as cicatrizes e ansiedades que permanecem na mente das pessoas, mesmo com a recessão de 2007 a 2009 ficando cada vez mais para trás.

É que não se trata apenas de cálculos da renda líquida dos domicílios americanos e das novas máximas que as bolsas atingiram neste ano, nem tampouco do crescimento de salários mostrado pelos dados de emprego de julho, como mostrou artigo do The Wall Street Journal, assinado por Josh Zumbrun, publicado no Valor de 08/08.

Na grande maioria, esses números representam médias. Pesquisadores da regional do Federal Reserve Bank (Fed), o banco central americano, em Atlanta também monitoram como os salários dos trabalhadores mudam com o tempo. Eles concluíram que a mediana do crescimento dos salários subiu de menos de 2% em 2012 para 3,6% no decorrer dos últimos 12 meses. Isso significa que metade dos trabalhadores recebeu um aumento acima desse nível e a outra metade, abaixo. Graças em grande parte à queda da gasolina nos últimos anos, esses aumentos nos salários estão bem acima da inflação.

Uma das medidas mais inflexíveis que descreve a estagnação tem sido o resultado anual do Census Bureau, a agência de estatísticas oficiais do governo dos EUA, sobre a mediana da renda anual dos americanos. O dado mais recente foi quase US$ 4 mil menor que o de 2007, ajustado pela inflação.

Mas esses dados estão disponíveis apenas até 2014. A Sentier Research, empresa de economia fundada por ex-funcionários do Census Bureau, analisa microdados do governo para criar estimativas de renda domiciliar mais rapidamente. A firma estima que a aceleração do crescimento dos salários nos últimos 12 meses levou a renda dos americanos de volta para os níveis pré-recessão.

No início da recuperação, grande parte do crescimento salarial pareceu vir de trabalhadores que já possuíam uma renda alta. Mas David Mericle, economista do Goldman Sachs, escreveu, em uma análise recente, que o crescimento dos salários tem sido mais forte para os trabalhadores que ganham abaixo de US$ 12,50 por hora e impulsionado, em grande parte, por aumentos do salário mínimo em vários Estados e governos locais.

“Muitas cidades e Estados estão apenas na fase inicial de aumentos graduais no salário mínimo que afetarão um número crescente de trabalhadores a cada ano”, disse.

Os sinais da aceleração do aumento nos salários não estão limitados a medidas baseadas em estatísticas do governo. O site Glassdoor, onde funcionários avaliam seus empregadores, registrou um aumento dos salários informados.

“O mercado de trabalho hoje está incrivelmente concorrido e o maior desafio das empresas é encontrar pessoas para preencher vagas”, diz o economista-chefe da Glassdoor, Andrew Chamberlain. “É um mundo muito diferente do que tínhamos em 2008 ou 2012.”

Embora o retrato da renda nacional tenha melhorado segundo quase todos os indicadores, um sentimento de apreensão acompanha a eleição presidencial, onde os dois candidatos falam de uma economia que não funciona mais em favor da classe média.

Em uma pesquisa recente realizada pelo “The Wall Street Journal” em conjunto com a rede “NBC”, 62% dos americanos entrevistados disseram que veem o país no caminho errado. É o maior percentual desde 2012, ano da eleição passada, embora seja menor que alguns resultados dos últimos meses.

Isso explicaria o motivo do mau humor mesmo em meio aos salários em alta? Na verdade, nem todas as ocupações e nem todas as regiões do país estão melhorando de foram igual.

“Um mercado de trabalho otimista para desenvolvedores de software em San Jose não tem nenhuma relação com contadores em Dayton, mas nós juntamos tudo para calcular os números [médios] nacionais”, diz Chamberlain.

Outra possibilidade é que os aumentos dos salários só agora começaram a compensar as dificuldades dos últimos 15 anos.

Apesar da alta registrada no ano passado, “a renda ainda está abaixo do nível de janeiro de 2000”, depois de ajustado pela inflação, diz Gordon Green, ex-funcionário do Census Bureau e sócio da Sentier Research. Os americanos podem estar desanimados com um ano bom porque esses têm sido poucos e muito distantes um do outro. Para muitos, o período difícil “foi muito longo e muito doloroso”.

Muitos americanos reconhecem que estão em uma situação melhor, mas acreditam que a dos outros piorou. Um grande descasamento surgiu na pesquisa sobre confiança das famílias feita pela Universidade de Michigan, onde as pessoas foram questionadas sobre sua situação pessoal em comparação à economia em geral. Ela revelou que as pessoas são 25% mais otimistas quando perguntadas sobre sua situação pessoal do que quando questionadas sobre suas expectativas para o país.

Quando perguntadas sobre sua situação pessoal no próximo ano, uma fatia de 25% das pessoas acredita que sua família estará em melhores condições. Em comparação, quando questionadas sobre o país como um todo, a fatia dos otimistas cai para apenas 2%.

Em 2008 e 2009, quando a recessão estava no auge, mais de 80% dos americanos disseram ao Gallup que os problemas econômicos eram o principal desafio do país.

Hoje, esse número caiu para 27%. Preocupações em alta incluem as relações raciais, descontentamento com o governo, crime e violência. Treze por cento dos eleitores citaram segurança nacional, terrorismo ou o Estado Islâmico como preocupação principal, enquanto apenas 3% mencionaram salários ou falta de dinheiro.

Talvez a melhor explicação para tudo isso seja que, para muitos eleitores, existem problemas seríssimos nesta eleição, mas não se trata mais só de dinheiro.

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