Reino Unido e UE correm risco de Brexit sem acordo

O destino do Reino Unido pode estar agora nas mãos de pouco mais de 100 parlamentares do Partido Trabalhista. Eles terão de apoiar o acordo de saída de Theresa May para evitar um Brexit desordenado na próxima semana.
Menos de uma semana atrás, um Brexit sem acordo parecia pouco provável. Mas, ontem, nas palavras do ministro das Relações Exteriores da França, a saída sem acordo tinha se tornado um “cenário dominante”. No espaço de dois dias May reapresentou um Brexit desordenado como uma séria possibilidade. Há agora um risco muito alto de ausência de acordo.
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A estratégia original da premiê foi pressionar seus linhas-duras a apoiar seu acordo por medo de perder o Brexit como um todo, e houve sinais claros de que ela estava funcionando. Agora, no intervalo de dois dias, May reverteu sua tática e aparece como uma premiê totalmente desprovida de poder. Na segunda-feira, John Bercow, o presidente da Câmara dos Comuns (a câmara baixa do Parlamento britânico), acabou com seu plano de submeter seu acordo a uma terceira votação antes da cúpula da União Europeia (UE), hoje e amanhã. Muitos parlamentares que defendem a permanência do Reino Unido na UE comemoraram a intervenção de Bercow na ocasião, mas ele recolocou a saída sem acordo em pauta e deu aos linhas-duras novos motivos para crer que podem esperar a aproximação da data-limite do dia 29 deste mês.
Na terça-feira, May enfrentou uma feroz revolta do Gabinete contra a prorrogação e, diante disso, abandonou sua estratégia e desistiu de solicitar um longo adiamento. Em vez disso, agora ela está pressionando os que temem uma saída sem acordo para que garantam seu sucesso, ainda que por margem estreita. Em vista da história desse processo, essa é uma enorme aposta.
A UE parece estar ajudando May nessa ameaça ao sugerir que uma prorrogação será recusada a menos que o acordo da premiê seja aprovado. Tecnicamente, a UE não excluiu a possibilidade de uma longa prorrogação caso o acordo de May não seja aprovado, mas ambas as partes terão apenas dois ou três dias para impedir uma saída desordenada em 29 de março.
Os conservadores linhas-duras ficaram em júbilo diante dos fatos novos. “Rejeitamos o acordo em votação na semana que vem e corremos para o Brexit”, disse um deles. Alguns dos 40 linhas-duras que se alinharam a May na segunda votação agora tendem a mudar de posição e se opor ao acordo.
Ao abandonar sua estratégia, May encontra-se onde não esperava estar: dependente dos votos dos trabalhistas ou dos parlamentares de outros partidos da oposição. Ela talvez precise que mais de 100 parlamentares mudem de posição ou de um número maior de abstenções. É uma aposta muito alta para prever uma vitória, e há poucas evidências de que os trabalhistas estejam preparados para abandonar seus planos alternativos – seja um segundo plebiscito, uma união aduaneira permanente ou a opção da Noruega de permanecer no mercado único. Alguns trabalhistas estão prontos para apoiar o acordo em troca da promessa de que conseguirão determinar o formato das futuras negociações, mas até agora eles constituem apenas um pequeno grupo. O Partido Trabalhista tende a respaldar uma emenda que condicione o apoio ao acordo a ele ser submetido a um plebiscito. Essa votação pode ser apertada.
O que é ainda pior para May é que os parlamentares podem persistir na crença de que a UE oferecerá uma prorrogação maior na última hora, caso necessário. Ontem à noite, parlamentares a favor da permanência ainda tramavam alternativas a apoiar o acordo de May, depositando suas esperanças nos chamados votos indicativos de visões alternativas ao Brexit. Isso não é um bom prenúncio para May. Um ministro pró-UE observou: “Eu adoraria tranquilizá-la, mas o quadro parece sombrio”.
A própria liderança de May acabou, agora. Incapaz de controlar o Parlamento, incapaz de controlar seu Gabinete, ela estende sua permanência no cargo até que seu partido finalmente consiga destituí-la. É difícil imaginá-la como premiê muito depois que essa questão do Brexit esteja resolvida. Se ela for forçada a se submeter à humilhação de ir a Bruxelas às vésperas do Brexit para suplicar pela concessão de uma prorrogação mais longa, que ela expressamente descartou, provavelmente renunciará.
A exemplo do que ocorre com todas as negociações com a UE, nada é definitivo enquanto não for irreversível. Pode ser que o acordo de May seja derrotado e que seja então oferecida uma longa prorrogação pela UE, mas seus dirigentes estão conspirando com May para apresentar a semana que vem como o momento decisivo. Trata-se de uma aposta muito alta.
O risco é o de que a UE não esteja blefando, de que a Câmara dos Comuns não consiga se unir em torno de uma alternativa e que o prazo se esgote.

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