Procuradores-gerais de vários Estados americanos estão se unindo e formando uma frente de combate a medidas do presidente Donald Trump, com resultados mais eficazes do que a atuação da oposição democrata no Congresso.
A oposição judicial ao governo Trump é altamente organizada, realiza encontros regulares e é formada por procuradores democratas que defendem a implementação de medidas liberais perante os tribunais do país. Eles tiveram sucesso em questões importantes, como a suspensão do veto à entrada nos EUA de cidadãos de sete países de maioria muçulmana.
No momento em que o Partido Democrata está em minoria na Câmara e no Senado e têm poucas condições efetivas de criar obstáculos a Trump, esse grupo de procuradores está articulando uma resistência e vai enfrentar o governo federal nos tribunais dos EUA, como mostrou artigo assinado por Juliano Basile, no Valor de 14/02.
Diferentemente do Brasil, onde não podem ter atuação partidária, os procuradores-gerais americanos são eleitos e muitos têm passagens prévias pelo Congresso ou pelos Legislativos de seus Estados..
Um dos líderes da resistência judicial anti-Trump é Eric Schneiderman, procurador-geral de Nova York. Senador estadual antes de ser procurador, ele defende bandeiras liberais, como penas alternativas à prisão, e adota postura rigorosa contra fraudes empresariais.
Na noite de 8 de novembro, Schneiderman estava em uma das várias festas programadas para comemorar a eleição de Hillary Clinton, em Nova York, quando, após confirmada a vitória de Trump, ouviu de um importante membro do Comitê do Partido Democrata: “Agora, a oposição é com vocês.”
O procurador já havia feito investidas contra Trump e assumiu o papel dado pelo partido.
Schneiderman conduziu o processo sobre fraudes na Universidade Trump, que levou o empresário a fechar um acordo e pagar US$ 25 milhões. O episódio marcou uma ruptura entre o discurso de Trump na campanha, em que ele dizia que levaria o caso até o fim, acreditando numa vitória judicial, e terminou cedendo a um acordo.
Após as eleições, Schneiderman apresentou um projeto de lei em Nova York para garantir a gratuidade de anticoncepcionais dentro da legislação de assistência à saúde e numa tacada se opôs a duas bandeiras de Trump – contra o aborto e o Obamacare.
O procurador também iniciou uma investigação contra o secretário do Tesouro de Trump, num caso em que Steven Mnuchin teria ganho muito dinheiro recuperando um negócio da falência. Além disso, começou uma apuração sobre o secretário de Estado, Rex Tillerson, relativa ao período em que ele comandou a ExxonMobil.
Curiosamente, Schneiderman esteve na Trump Tower, em 2010, quando pediu contribuição para a sua campanha ao cargo de procurador-geral e saiu de lá com um cheque de US$ 12,5 mil de Trump.
Três anos depois, ele já era vítima dos tuítes de Trump por conta do processo contra a universidade. “O procurador-geral peso-leve Schneiderman quer me extorquir com um processo judicial”, reclamou Trump em agosto de 2013.
Ele chegou a denunciar Schneiderman por tentativa de extorsão, mas perdeu o caso, como vem perdendo atualmente a disputa judicial em torno de sua ordem executiva que barrou a entrada de cidadãos de sete países nos EUA.
Essa ordem acabou tendo um mobilizador para os procuradores-gerais democratas. Quando ela foi anunciada pelo governo, no fim de janeiro, eles estavam num encontro do partido na Flórida sob a coordenação de Debbie Schultz, a deputada que presidiu a legenda por cinco anos. Schultz foi afastada do cargo na véspera da convenção nacional, em julho passado, após um vazamento de e-mails indicar que ela estaria auxiliando Hillary Clinton contra a candidatura do senador Bernie Sanders.
No encontro, Schultz pediu aos procuradores que fizessem algo a respeito do veto a imigrantes.
Bob Ferguson, procurador-geral do Estado de Washington, deixou a Flórida rumo a Seattle, onde reuniu sua equipe e montou uma estratégia de combate à ordem que tivesse impacto nacional. Em seguida, ingressou com pedido de suspensão da medida perante um juiz federal e obteve a maior vitória contra o veto de Trump – uma decisão valida para todo o país.
Ambientalista e defensor de políticas de proteção a dependentes químicos, Ferguson foi eleito procurador-geral em 2012, após visitar todos os 30 condados do Estado em sua campanha. Quando foi reeleito, em 2016, o Partido Republicano sequer apresentou um adversário para disputar o cargo.
Jogador de xadrez profissional, Ferguson revelou que estava debatendo há semanas o que poderia fazer para bloquear as medidas de Trump judicialmente. “É algo que estamos discutindo há algum tempo. O xadrez ensina a pensar os movimentos do adversário antes mesmo que ele possa executá-los”, disse, segundo a mídia americana.
Nesta semana, ele rebateu a ameaça do governo contra a sua ação, dizendo que poderá requerer depoimentos e mensagens eletrônicas de pessoas do governo para saber o que levou Trump a assinar o veto. “Vou recorrer a todas as ferramentas legais para que o presidente cumpra a Constituição.”
A maioria dos procuradores-gerais democratas assume discurso frontal de oposição a Trump discutindo publicamente como barrar medidas do governo.
Primeira procuradora-geral assumidamente homossexual nos EUA, Maura Healy, do Estado de Massachusetts, voltou do encontro da Flórida qualificando o nova governo federal como vergonhoso e propondo ações diretas de combate.
“Esse governo está envergonhando o nosso país e tornando-o menos seguro. Está estigmatizando os imigrantes que chegam dentro da lei. A ordem executiva de Trump é uma ameaça à nossa Constituição. A mensagem que nós, o povo de Massachusetts, temos para esse governo é: nós nos veremos nos tribunais”, disse ela.
“Como procurador-geral, eu entendo que temos de ter equilíbrio entre a segurança e a liberdade de nossos cidadãos. Essa ordem executiva falha em ambos os sentidos. Ela nos torna menos seguros e afeta os nossos direitos”, completou Josh Shapiro, que foi deputado estadual democrata por sete anos antes de chegar ao cargo de procurador-geral na Pensilvânia.
Xavier Becerra, procurador-geral da Califórnia, verificou que a animosidade da população local com o governo federal está tão intensa que está crescendo um movimento separatista denominado “Calexit” – uma espécie de Brexit na terra de Hollywood. “Como procurador-geral estou pronto para defender a Califórnia contra tentativas de Trump de impor punições à nossa população”, afirmou Becerra, ex-deputado federal pelo Partido Democrata entre 1993 e o começo deste ano.
Ele defende bandeiras históricas da legenda, como o direito de escolha das mulheres em caso de aborto e o fim da redução de impostos aos mais ricos.
Becerra está numa disputa pessoal com o governo Trump em torno da ameaça de retirada de verbas federais para projetos de apoio à imigração na Califórnia. Ele declarou que o Estado repassa à União mais verbas do que recebe e, portanto, a medida seria injusta, além de inconstitucional.
“Parece que os procuradores-gerais estão se tornando um quarto ramo de poder”, definiu Hector Balderas. Procurador- geral do Novo México, ele foi deputado estadual democrata e tentou concorrer ao Senado pelo partido. Atualmente, tem como bandeira política a defesa de imigrantes latinos no Estado e a luta contra as medidas impostas por Trump.