Posição da Arábia Saudita gera incertezas ao petróleo

O ministro da Energia da Arábia Saudita mantém suas opções em aberto enquanto a recuperação dos preços do petróleo mostra-se irregular, o que instaura um período de potencial volatilidade à frente. Os preços do petróleo bruto despencaram no início deste mês após os operadores terem ficado nervosos com a possibilidade de que a adoção de novos regimes de confinamento para desacelerar a disseminação do coronavírus pudesse romper a frágil recuperação do consumo. 

Mas o príncipe Abdulaziz bin Salman reluta em se comprometer com qualquer nova medida destinada a sustentar o mercado de petróleo. Ele disse à imprensa, na semana passada, que “qualquer pessoa que achar que vai ouvir de mim alguma indicação sobre o que faremos em seguida, sem dúvida não tem noção de nada”. 

Suas únicas duas previsões foram de que o mercado estará “irrequieto” nos meses pela frente, e que ele fará os especuladores “gemerem terrivelmente”. 

Analistas dizem que a falta de visibilidade sobre a trajetória do mercado mostra que a Arábia Saudita, a maior exportadora mundial de petróleo, quer manter uma gama de opções disponível, que vão desde a fiscalização mais rígida sobre o cumprimento dos cortes de abastecimento recordes pactuados no começo deste ano pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados como a Rússia até promessas de adotar restrições à produção ainda mais severas. 

Os investidores estão ávidos por clareza sobre se o grupo conhecido como Opep+ mudará seus planos de abastecimento futuros. 

Cortes históricos de 9,7 milhões de barris ao dia pactuados em abril entre os principais produtores mundiais – que puseram fim à guerra de preços com a Rússia iniciada pela Arábia Saudita – caíram desde então para 7,7 milhões de b/d. Essas diminuições deverão se abrandar ainda mais em janeiro de 2021 como parte de uma redução gradual. 

A grande interrogação agora é se os produtores darão continuidade a essa retração. O petróleo bruto tipo Brent, a referência internacional, subiu de menos de US$ 20 o barril em abril para mais de US$ 45 no fim de agosto, impelido pelo acordo de corte da oferta. Mas, desde então, recomeçaram a cair. O barril recuou mais de 2% na segunda-feira, para cerca de US$ 42, e os produtores temem mais uma desvalorização. 

Os confinamentos locais adotados na Europa e os casos crescentes registrados em grandes países consumidores, como a Índia, estão preocupando os delegados da Opep. Eles também advertem para o fato de que o petróleo bruto e os estoques de derivados não estão se esgotando com a rapidez prevista inicialmente. “Não há nada a fazer neste momento, a não ser continuar no mesmo caminho. Mas poderemos ter [de agir] em breve”, disse um dos delegados. 

A demanda mundial caiu nada menos que 33% em abril em relação aos níveis pré- crise de 100 milhões de b/d, mas se recuperou e prevê-se atualmente que ficará em torno de 94 milhões de b/d no terceiro trimestre, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). Mas a AIE deu alguns sinais de alarme na semana passada: a desaceleração das compras de petróleo bruto da China e iniciativas de alguns dos maiores operadores de petróleo do mundo de começar a armazenar petróleo no mar de novo.

“A incerteza criada pela covid-19 dá pouco sinais de ceder”, disse o órgão, observando que o inverno no Hemisfério Norte (de dezembro a março) tornará a trajetória do vírus difícil de prever. 

“A recuperação nem sequer ocorreu em todo o mundo”, disseram autoridades da comissão ministerial da Opep+ que monitora o acordo histórico de cortes de abastecimento. Elas recomendaram que o grupo ampliado de países, que inclui a Rússia, tome “novas medidas necessárias” quando recomendáveis. Estão entre as opções, dizem observadores do mercado, o adiamento da redução dos cortes de oferta e a aprovação de cortes adicionais acima das metas atribuídas aos membros, como fizeram a Arábia Saudita e outros países da Opep em junho. 

Amrita Sen, da consultoria Energy Aspects, disse que a Arábia Saudita e seus aliados da Opep estão alheios a ela e “torcem pelo melhor, mas se preparam para o pior”. “A demanda asiática – um destino fundamental do petróleo do Oriente Médio – está, em grande medida, aumentando, mas o consumo no Ocidente segue o caminho contrário. É tão difícil prever qualquer coisa!”, afirmou ela. 

O príncipe Abdulaziz prometeu na semana passada um enfoque “proativo e preventivo”. De sua parte, Riad tenta pôr a casa da Opep em ordem ao chamar publicamente a atenção dos países que, segundo diz, descumpriram as cláusulas do acordo de reduções da produção de abril. 

Se a Arábia Saudita tiver de convencer a Rússia – interessada em não perder participação de mercado – a deter a produção mais uma vez, permitindo que países como os Emirados Árabes Unidos, o Iraque e a Nigéria ultrapassem seus níveis de produção prometidos, o país enfraquecerá seu controle, disseram analistas. 

“Se alguém cumprir sua parcela de cortes agora, o grupo Opep+ terá muito mais flexibilidade para corrigir a política, se precisar, no futuro”, disse Bassam Fattouh, do Instituto Oxford de Estudos em Energia. 

Há outros fatores imprevisíveis pela frente nos próximos meses. Na Líbia, forças rebeldes aceitaram suspender oito meses de bloqueio a campos de petróleo e portos, o que permite a retomada da produção e das exportações. 

A eleição presidencial nos EUA, em novembro, pode complicar as coisas ainda mais. O presidente Donald Trump adotou uma posição de força diante dos produtores reunidos em negociação antes do acordo histórico de abril. Uma vitória do candidato democrata Joe Biden poderá reduzir a pressão política sobre produtores, para fortalecer o mercado, em uma próxima rodada de conversações formais neste ano, dizem observadores. 

Mas, em um mês em que a volatilidade das bolsas de valores refletiu o risco ainda representado pela pandemia sobre a economia mundial, os temores em torno da demanda predominam. 

“O ritmo da recuperação do mercado de petróleo desacelerou, e a Arábia Saudita quer estar preparada para corrigir a política caso necessário”, disse Giovanni Staunovo, analista do UBS Wealth Management. “Não sabemos que rumo o mundo está tomando.” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/09/23/posicao-da-arabia-saudita-gera-incertezas-ao-petroleo.ghtml

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