Pobreza cresce e favorece o populismo na Itália

A Itália terá eleições nacionais em 4 de março e, embora grande parte da campanha esteja girando em torno da questão desagregadora da imigração, pesquisas apontam que os eleitores estão mais preocupados com a economia, que ainda não se recuperou da crise financeira de 2008.
O governo afirma que o pior já passou, apontando para 14 trimestres consecutivos de crescimento econômico, mas muitos italianos ainda não sentiram os benefícios dessa recuperação, o que ajuda a explicar por que o Partido Democrático, de centro-esquerda, vem se arrastando nas pesquisas.
A economia da Itália ainda está 6% menor do que no começo de 2008, amarrada por muitos velhos problemas, como o enorme endividamento nacional, uma justiça cronicamente lenta e uma burocracia sufocante, como mostrou matéria do Valor Econômico, publicada em 21/02.
Em comparação, o PIB das 19 países que formam da zona do euro como um todo cresceu 5% no mesmo período de dez anos.
Esse desempenho anêmico vem lançando milhões de italianos na pobreza, alimentando a insatisfação social e a ascensão de partidos populistas e anti-establishment, como a Liga Norte, de extrema-direita e contra a imigração, e o Movimento 5 Estrelas (M5S, na sigla em italiano).
O M5S parece prestes a emergir das eleições do mês que vem como o maior partido e promete adotar um salário universal para os pobres se chegar ao poder. Outros partidos também prometem investir bilhões de euros para revitalizar a economia – dinheiro que, dizem analistas, o país não tem.
O número de italianos que vivem em risco de pobreza cresceu em mais de 3 milhões desde 2008, segundo a agência de estatísticas europeia Eurostat, no maior aumento registrado em qualquer países da União Europeia (UE). Em contraste, 3,3 milhões de poloneses saíram da linha de pobreza.
O número de italianos vivendo na pobreza absoluta, definida como não ter dinheiro para comprar uma cesta básica de produtos e serviços, aumentou para 4,7 milhões em 2016, segundo dados da agência de estatísticas italiana, Istat, triplicando em uma década.
“O aumento da pobreza absoluta é um problema bem italiano, e os números continuam crescendo, apesar de a economia ter se recuperado”, diz Robert Perotti, economista da Universidade Bocconi e ex-assessor do governo. “É o problema mais grave da Itália hoje.”
Os problemas de Roberto Biondi começaram em 2006, quando ele teve que fechar a pequena loja de roupas que abriu quando ainda era adolescente, em 1983. Assim como muitos italianos, ele crê que a chegada do euro, em 2002, marca o começo do declínio do país.
“As coisas iam bem antes, mas aí o dinheiro secou. Eu lutei, mas acabei tendo que desistir”, diz. Sem nenhuma grande indústria na região, ele nunca conseguiu um novo emprego.
A taxa de desemprego na Itália está em 10,8%, quatro pontos acima do dado de 2008. No sul, o desemprego se aproxima de 18,3%, alta de 7,2 pontos em uma década.
O desemprego entre os jovens no sul é de 46,6%, 13 pontos acima do nível de 2008, o que é um prenúncio de problemas para Danilo, o filho de 24 anos de Roberto Biondi, que vê poucas chances de seguir uma carreira na Itália e quer se mudar para Londres no fim do mês.
O aumento da onda de pobreza e a falta de oportunidades econômicas vêm levando a um crescimento da emigração. Entre 2006 e 2017, o número de italianos oficialmente registrados como vivendo fora do país subiu 60%, de três milhões para quase cinco milhões.
A Fondazione Migrantes, que monitora fluxos de migrantes, diz que o número deve ser bem maior, já que muitos italianos não se registram nas embaixadas locais.
Carmen, a irmã de Danilo, já foi embora, farta dos empregos de meio período e mal pagos. Mudou-se para Glasgow, na Escócia, onde trabalha num McDonald’s. “Eu lhe disse que ela acabarias voltando em três a cinco anos. Isso foi três anos atrás, e ela está inflexível, dizendo que não volta mais”, diz Biondi. “Para um pai, é difícil ouvir isso, mas não há nada aqui para os jovens. Nenhum futuro.”
A falta de confiança no futuro está refletida na queda da taxa de nascimentos na Itália. Segundo as estatísticas mais recentes, os casais italianos tiveram 373.075 bebês em 2016, uma queda de 22% em relação a 2008.
A Itália oferece pouca ajuda assistencial aos jovens. Somente 4% de todos os gastos sociais vão para aqueles com menos de 40 anos, enquanto 77,2% vão para os que têm mais de 65 anos. É por isso que os aposentados têm um papel tão importante nas finanças familiares.
O Istat diz que ter apenas um aposentado em uma família vulnerável diminui pela metade o risco de essa família cair na pobreza absoluta – mas isso não é uma rede de proteção garantida.
Angela Grossi, de 48 anos, está desempregada. Ela recebe ajuda financeira de sua mãe idosa, mas isso não bastava para pagar o aluguel, de modo que há quatro anos ela e os dois filhos passaram a viver num prédio vazio e invadido, em Roma, com outras 60 famílias.
Mas eles foram despejados em agosto e desde então ela e os filhos, de 12 e 14 anos, moram em barracas armadas sob o pórtico de uma igreja, a menos de 1,5 km do Parlamento italiano. “Roma está cheia de pessoas dormindo nas ruas, debaixo de pontes, mas ninguém as vê. Quem se importa?”, diz Grossi.
Ela chegou a trabalhar como camareira num hotel, mas perdeu o emprego quando a empresa fechou. A Itália não tem um salário mínimo, e Grossi diz que desde então vem conseguindo apenas 3 euros por hora em contratos temporários – um salário que não é suficiente para pagar um aluguel.
A insatisfação generalizada na Itália com a economia significa que quase todos os partidos elaboraram longas listas de promessas caras, que poderão convulsionar as finanças se foram adotadas.
http://www.valor.com.br/internacional/5336939/pobreza-cresce-corroi-o-tecido-social-na-italia-e-favorece-o-populismo#

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