Durante meses, Elvira Kaipova ficou sem notícias de seu filho Rafael, um soldado russo destacado na Ucrânia.
Oficiais militares responderam às suas repetidas perguntas quanto ao paradeiro dele, dizendo que o jovem estava na ativa e, portanto, incomunicável. Então, no final de novembro passado, dois dias depois de terem feito essa afirmação novamente, ela soube que ele havia desaparecido em 1º de novembro — por meio de um canal do Telegram que ajuda famílias de militares.
“Perdemos seu filho”, disse Aleksandr Sokolov, o oficial da unidade de Rafael responsável pelo elo com as famílias, quando ela viajou para o quartel-general no oeste da Rússia.
“Perderam como?”, ela disse ter respondido, alarmada e irritada, especialmente quando o oficial explicou que, após Rafael não ter se comunicado por rádio, uma busca se mostrou impossível. “Como vamos procurá-lo?”, ela disse que o oficial lhe perguntou.
Variações desse cenário sombrio se repetiram inúmeras vezes desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022. O Ministério da Defesa russo não faz nenhum esforço formal e organizado para rastrear legiões de soldados desaparecidos, de acordo com famílias enlutadas, organizações privadas que tentam ajudá-las e analistas militares. Parentes, presos no limbo, se viram sozinhos com as escassas informações governamentais.
O próprio ministério se recusou a comentar o assunto para esta reportagem. Sokolov, o oficial de ligação, disse em uma mensagem de texto: “Você sabe que eu não posso comentar nada”.
Mesmo que a Rússia e a Ucrânia cheguem a um acordo de paz, a busca por soldados desaparecidos deve durar anos, ou até décadas.
O Ministério da Defesa não publicou nenhuma estatística do número de desaparecidos, o que analistas militares e parentes dizem decorrer do desconhecimento desse número. As estimativas chegam a dezenas de milhares.
Anna Tsivilyova, vice-ministra da Defesa e prima do presidente Vladimir Putin, declarou à Duma Estatal em novembro passado que 48 mil parentes de desaparecidos haviam enviado amostras de DNA na esperança de identificar restos mortais, embora isso incluísse alguns pedidos duplicados da mesma família.
Ajuda
Na Ucrânia, o “Quero Encontrar”, um projeto governamental para ajudar a localizar militares russos capturados ou mortos no país, informou ter recebido mais de 88.000 pedidos de informação, com mais de 9.000 somente em abril. Observou que o número total de desaparecidos ainda é desconhecido.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que tenta localizar desaparecidos de ambos os lados, sejam civis ou militares, tem 110.000 casos registrados.
A família de Isakhanov Ravazan, um soldado de 25 anos, recebeu uma breve mensagem de voz dele pela última vez em 9 de novembro. Durante uma batalha logo depois, disse sua tia, ele comunicou por rádio ao seu comandante que não conseguia estancar o sangramento de um ferimento grave. Desde então, não se tem notícias dele.
“Ninguém o viu morto”, disse sua tia, que, como várias pessoas neste artigo, não quis ser identificada por medo de infringir as leis que proíbem o detalhamento de perdas no campo de batalha. “Talvez ele tenha se salvado, talvez alguém o tenha encontrado, ainda temos esperança de que ele esteja vivo”, disse ela. “Não há paz para a alma. Eu não consigo dormir à noite, e nem os pais dele.”
A maioria dos soldados desaparecidos provavelmente morreu lutando e foi abandonada no campo de batalha, disseram especialistas. Não há equipes suficientes para recolher os corpos, e o uso constante de drones torna o resgate muito perigoso.
Os comandantes já têm problemas suficientes para entregar alimentos e munição, e essa é a prioridade, disse um analista militar da Equipe de Inteligência de Conflitos, uma organização independente no exílio que monitora o conflito. O analista, que se recusou a revelar seu nome para não colocar em risco parentes que ainda estão na Rússia, disse que apenas as famílias dos soldados se importam com a coleta dos corpos, “e não há punição para quem alienar parentes”.
Um ucraniano da cidade ocupada de Luhansk, que foi convocado para servir como médico no campo de batalha e que também não quis ser identificado, relatou sua experiência: “Centenas de pessoas foram deixadas ali. Todos os dias, dezenas eram feridas ou mortas.”
Mesmo quando os corpos são recuperados, a identificação é problemática. Muitas vezes, os restos mortais só podem ser removidos depois que as linhas de batalha se deslocam significativamente, permitindo que drones de ataque voem para outros lugares, o que pode levar meses ou até anos.
O necrotério militar na cidade de Rostov, no oeste do país, oficialmente conhecido como Centro de Recepção, Processamento e Despacho de Falecidos, é o principal centro de triagem.
Quando soube que seu filho estava desaparecido, Elvira, que é casada e tem outro filho, voou primeiro para lá. “Está tudo superlotado”, disse ela, chegando às 7h para entregar uma amostra de DNA e saindo às 22h. “Esposas, mães, pais — todos chorando, soluçando, esperando.”
Os investigadores disseram a ela e a outros que enfrentam um acúmulo de cerca de 15.000 militares não identificados. O ritmo lento, os constantes encaminhamentos para diferentes agências governamentais e a falta de informações básicas deixam as famílias dos desaparecidos em fervura lenta. A raiva transborda de inúmeras salas de bate-papo online onde parentes buscam ajuda.
Em um comentário na rede social Vkontakte, uma participante chamada Polina Medvedeva criticou os comandantes militares como “irresponsáveis”. Alguns dos companheiros de seu marido lhe disseram que ele havia morrido heroicamente, escreveu ela, mas os militares não confirmaram a morte dele e não há corpo.
“Onde estão os detalhes?”, escreveu ela. “Por que o comando está nos ignorando, evitando respostas, nos jogando de um número para outro? Meu coração se parte de dor e raiva pelo que fizeram com nossa família.”
Algumas famílias chamam ainda mais atenção para o drama vivido. Parentes de soldados desaparecidos da 25ª Brigada de Fuzileiros Motorizados da Guarda da região de Leningrado fizeram repetidos apelos a Putin.
“Em todos os lugares encontramos indiferença!”, disseram eles em um vídeo no mês passado mostrando fotos dos desaparecidos. Cada família recebe exatamente a mesma carta padrão e é instruída, repetidamente, a esperar. Eles dizem: “Ajudem-nos! Estamos cansados de viver na ignorância por meses e anos!”
O Kremlin criou a Fundação Estatal Defensores da Pátria, supostamente para ajudar soldados, veteranos e suas famílias. Mas a fundação não tem informações privilegiadas a respeito dos desaparecidos, disseram analistas.
Não há “nenhum sistema de contato com as famílias dos soldados”, disse Sergei Krivenko, diretor de uma organização de direitos humanos criada para ajudar os soldados. Ele chamou a Fundação Defensores da Pátria de “estrutura falsa”, projetada para desviar a culpa do Ministério da Defesa e “dar uma aparência de ação”.
A Fundação Defensores da Pátria não respondeu aos pedidos de comentário.
Elvira escreveu para várias autoridades, começando por Putin. Visitou seu escritório administrativo e procurou em vários hospitais, incluindo alguns em meio aos combates no leste da Ucrânia. “Estou andando em círculos”, disse ela.
Sua busca tomou um rumo nada incomum quando ela pensou ter reconhecido Rafael com um ferimento grave na cabeça em um curto videoclipe filmado a bordo de um helicóptero de retirada. Ela está convencida de que ele está internado em um hospital em algum lugar, sofrendo de amnésia.
O administrador de um grupo de bate-papo onde ela postou o vídeo disse que pelo menos outras 20 pessoas identificaram o mesmo homem como seu próprio soldado desaparecido.
“Todos estão tão desesperados que veem seus entes queridos em qualquer rosto”, admitiu Elvira, mas descartou qualquer sugestão de que esse também pudesse ser o seu caso. A unidade de seu filho disse que seus médicos não têm registro de retirada dele.
Rafael era um soldado relutante. Criado na cidade central de Tyumen, ele feriu gravemente outro homem que tentou roubar seu carro. As autoridades apresentaram a ele uma escolha comum em casos criminais russos: ir para a cadeia ou para o front. Sua mãe implorou que ele escolhesse a cadeia, mas ele recuou. “Ele estava em agonia, andando de um lado para o outro”, disse ela. “Ele não queria guerra nem prisão.”
Ele foi destacado em 1º de agosto, seu aniversário de 20 anos. Ela nunca mais teve notícias do filho. Um soldado hospitalizado de sua unidade ligou certa vez para contar que Rafael havia gritado por sua mãe, com medo, no início de sua primeira batalha.
Ela soube pelo Formulário 1421, o conciso registro militar de seu desaparecimento, que ele serviu em uma unidade de inteligência. Rafael estava entre um grupo de soldados realizando “tarefas especiais” em uma vila na província de Donetsk, segundo o documento, quando foram atacados por artilharia e drones. “O contato com o grupo, que incluía Rafael Kaipov, foi perdido após esse confronto.”
De acordo com as novas leis, os comandantes podem recorrer à justiça apenas seis meses após o último contato com um soldado para que ele seja declarado desaparecido, permitindo-lhes suspender seu pagamento de combate.
As próprias famílias precisam entrar com um processo adicional para que o soldado desaparecido seja declarado morto, o que libera benefícios substanciais. Alguns evitam essa medida definitiva.
“Choro constantemente, de manhã e à noite”, disse Elvira. “Meu maior medo é esgotar todas as pistas e não ter mais ninguém a quem recorrer.”