O serviço de pagamentos PayPal Holdings Inc. detém, de acordo com alguns cálculos, mais dinheiro de seus clientes do que quase todos os bancos dos Estados Unidos, com exceção de 20. O que isso indica sobre o futuro do setor bancário?
No fim de março, os clientes do PayPal possuíam mais de US$ 13 bilhões em contas da empresa de comércio eletrônico. Comparado com o sistema de depósitos, um serviço parecido dos bancos, esse volume colocaria o PayPal bem atrás do Capital One Financial Corp. e do TD Bank, a divisão americana do canadense Toronto- Dominion Bank, segundo a firma de dados S&P Global Market Intelligence.
Pela lei americana, o PayPal não é um banco e esses fundos não são depósitos, mas dinheiro que não rende juros e está disponível para o cliente gastar. A empresa de San Jose, na Califórnia, não oferece garantia de depósito para os clientes que deixam dinheiro em suas contas. Ela não se beneficia dos poderes ou tem os custos regulatórios de um banco. E ela ganha dinheiro principalmente quando o dinheiro se movimenta, não quando ele permanece depositado, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por Telis Demos, publicada no Valor de 3/06.
Mas o PayPal, que foi desmembrado do eBay Inc. no ano passado, oferece muitos dos serviços que as pessoas vislumbram quando pensam nos bancos. O papel principal que o PayPal procura desempenhar na vida financeira de seus usuários mostra a rápida evolução daquilo que as pessoas imaginam como um banco, algo que pode levar as maiores instituições financeiras do mundo a reconsiderar sua própria e há muito estabelecida relação com os clientes.
O PayPal permite que os usuários utilizem o dinheiro em suas contas para comprar coisas na internet ou para transferência de recursos. Além de vínculos com um cartão de crédito ou de débito ou com uma conta bancária, há 66 mil lojas associadas onde você pode ir e colocar dinheiro em sua conta no PayPal. Ele oferece empréstimos e cartões de crédito com bancos parceiros e tem explorado ferramentas que podem ajudar os consumidores a administrar o orçamento pessoal ou fazer investimentos.
“Eu não vejo nenhuma razão filosófica para o PayPal não ser um banco”, diz Frank Rohde, diretor-presidente da Nomis Solutions, uma empresa de tecnologia que trabalha com grandes bancos para ajudá-los a definir o preço de produtos de consumo. “Ele pode oferecer uma conta, um aplicativo de pagamento e um empréstimo.”
Na corrida para mudar os serviços bancários para a internet ou para os celulares, as apostas são bilionárias. Globalmente, os bancos obtiveram 46% de seus lucros em 2015 com pessoas físicas e pequenas empresas. Mas 17% da receita de US$ 1,2 trilhão gerada nos EUA e na Europa através dessas fontes pode estar vulnerável às empresas de tecnologia financeira, as “fintech”, até 2023, um percentual bem maior que o 1% observado em 2015, segundo analistas do Citigroup Inc.
O diretor-presidente do PayPal, Dan Schulman, diz que sua empresa não quer substituir os bancos e espera que ela possa fornecer produtos que também tragam receita para eles. “O que nós queremos fazer é ampliar os serviços financeiros tradicionais para os consumidores”, diz ele, afirmando que seu público alvo é formado por mais de dois bilhões de pessoas que estão fora do sistema bancário tradicional.
No fim, um futuro possível para os bancos estabelecidos pode ser servir como depositários oficiais de dinheiro que conectam uma variedade de serviços de empresas de tecnologia financeira. Isso seria similar ao que aconteceu em outros setores nos últimos dez anos, como as comunicações móveis, em que os provedores dos serviços viram seu poder de definir os preços corroído com a ascensão dos fabricantes de smartphones, como a Apple Inc.
“A Apple não precisou se tornar uma operadora de celular para lançar o iPhone”, diz Bill Ready, diretor global de produto e engenharia do PayPal. “Um banco é uma operadora atrás de muitos serviços que nós fornecemos, e quando nós entregamos valor para nossos clientes, nós geramos volume para os bancos.”
A unidade Venmo, do Paypal, bastante conhecida entre a geração do milênio, pessoas que nasceram entre os anos 80 e 2000, como um meio de transferir dinheiro através de um aplicativo de smartphone, é talvez o exemplo mais visível de como a tecnologia pode produzir algo parecido com uma sociedade sem dinheiro físico e menos dependente dos bancos.
Com o Venmo, os usuários podem transferir pequenas quantidades de dinheiro através do aplicativo e podem publicar cada transação em um quadro público de mensagens. Embora seja necessário uma conta bancária, cartão de crédito ou débito para colocar dinheiro na conta, uma vez que os recursos estiverem no Venmo, eles podem ficar lá até que o usuário queira gastá-lo.
Nem todo mundo concorda com essa invasão. Os bancos frequentemente criticam as empresas de serviços financeiros, argumentando que elas fazem muitas coisas que os bancos também fazem, mas não são tão seguras porque não têm que arcar com custos regulatórios, como as visitas regulares do Federal Reserve, o banco central americano.
Poucas firmas financeiras oferecem depósitos respaldados pelo governo federal, uma importante diferença para consumidores preocupados principalmente com a segurança do seu dinheiro.
Isso pode não evitar que as pessoas usem contas que não sejam de bancos para certas finalidades. “Se um varejista falir e você perder uns US$ 13 em uma carteira digital, isso não é o fim do mundo”, diz Haskell Garfinkel, um dos líderes da área de empresas de serviços financeiros da consultoria PricewaterhouseCoopers. Mas, diz ele, muitas pessoas gostariam da “segurança e solidez” de um depósito regulado para a maior parte de seu dinheiro.
Os reguladores estão começando a examinar minuciosamente as novatas de tecnologia financeira. Agências do governo estão discutindo como regular essas empresas. O Fed e o Departamento do Tesouro também estão estudando as “fintech”.