Países europeus terão de ajudar a recapitalizar parte de suas empresas

Ainda não sabemos se o aumento dos casos de covid-19 na Europa lançará as economias numa nova recessão ou se poderá ser administrado sem uma grande ruptura. Os governos poderão se ver forçados a decretar novos “lockdowns”. Mas, mesmo que não façam isso, o medo poderá interromper um retorno à normalidade. Por outro lado, o número de hospitalizações poderá permanecer suficientemente baixo para que a maior parte da atividade possa ser retomada. 

O que sabemos, mas não estamos tratando com urgência o suficiente, é o dano grave já provocado à economia corporativa da Europa. Os balanços de muitas empresas foram tão duramente atingidos a ponto de pôr em dúvida a capacidade dessas empresas de voltar ao normal, quanto mais de contribuir para a retomada do crescimento. Até mesmo um irrealista cenário otimista – em que o vírus recua e a atividade é retomada – apresenta problemas sérios. 

Bem-vindo à economia zumbi. A maior recessão em gerações forçou muitas empresas europeias a consumir seu caixa e aumentar o endividamento ao ponto em que sua solvência está por um fio.

Em maio, a Comissão Europeia calculou que, num cenário relativamente otimista, as empresas europeias poderiam perder € 720 bilhões até o fim do ano. Um quarto de todas as companhias europeias com mais de 20 funcionários iria exaurir seu capital de giro e ficar sem caixa até lá, mesmo se beneficiadas por subsídios aos salários. A economia, na verdade, vem se saindo um pouco pior do que o estimado nesses cálculos. 

A situação certamente teria sido pior se os governos não tivessem subsidiado custos e assegurado crédito barato e acessível, mas uma perda compensada temporariamente por um empréstimo ainda é uma perda, e a corrosão do capital corporativo é um perigo para a economia. 

Um grande número de empresas subcapitalizadas vai segurar o desempenho econômico da Europa de duas maneiras.

Primeiro, elas não investem. Simulações do Banco de Investimentos Europeu (EIB) mostram que os investimentos corporativos na região poderão cair mais de 50% para as empresas poderem atender as suas necessidades de caixa. Nos próximos anos, as companhias cujas receitas mal cobrem o serviço de suas dívidas – mesmo com os custos dos empréstimos hoje em patamar mínimo recorde – não poderão realizar os grandes investimentos de que a Europa precisa. 

Em segundo lugar, muitas empresas cujas receitas são direcionadas em grande parte para pagar o serviço das dívidas poderão, na melhor das hipóteses, esperar adiar a insolvência inevitável. 

O interesse do conjunto da economia no que acontece com essas empresas é variado. Mantenha-as vivas por muito tempo e você impede que trabalhadores e capital se movam para atividades mais produtivas – processo conhecido como “destruição criativa”. Mas uma onda de falências também traria destruição sem a criação. 

Como as relações patrão-empregado estão rachadas, o conhecimento específico acumulado das empresas está perdido – máquinas e habilidades se atrofiam enquanto esperam por novos usos. Além disso, as economias financeiramente mais fracas nem sempre são as menos produtivas. 

Na França, estudos constataram que uma parcela surpreendentemente grande de empresas com problemas de solvência relacionados à pandemia encontram-se no topo de seus setores em termos de produtividade. Conforme disse recentemente o economista Marcel Fratzscher: a maior empresa-zumbi que já houve é a Amazon. 

Tudo isso aponta para necessidade urgente de recapitalização de grande parte da Europa corporativa, para a redução das dívidas pendentes sem matar atividades que, de outra forma, seriam viáveis. A recapitalização é especialmente urgente para as pequenas e médias empresas, que na Europa têm menos acesso ao mercado de ações do que as empresas nos EUA. 

A questão é como os governos poderão fazer essa recapitalização. Num extremo, ajustar os balanços das empresas por meio de subsídios diretos seria extremamente caro e potencialmente mal direcionado: algumas das empresas que já estão à beira da falência já estavam moribundas antes da covid-19. No outro extremo, a falência poderá levar à liquidação, em vez da reestruturação de negócios que de outra forma seriam viáveis. 

A solução é injetar capital novo, seja em dinheiro dos contribuintes, em troca de participações acionária parcial, seja de credores, por meio de procedimentos de solvência acelerados que reestruturem empresas sem as liquidar. Os termos subsidiados podem limitar a diluição de participações em pequenas empresas e empresas familiares, se isso for desejado. 

No segundo trimestre, tais planos foram discutidos, mas de lá para cá os governos perderam o interesse. Em julho, líderes europeus rejeitaram a proposta de um fundo de “apoio à solvência” para chegar ao que seria um acordo inovador sobre empréstimos conjuntos para um pacote de recuperação. 

Isso deixou a tarefa nas mãos dos governos nacionais. Bruxelas relaxou suas regras de ajuda estatal para permitir isso, mas mesmo assim a falta de uma estratégia de recapitalização pan-europeia é uma oportunidade perdida. 

A dependência excessiva do crédito bancário solapa o dinamismo das empresas europeias menores nos momentos de vacas gordas. O financiamento de capital, que deveria apoiar empresários dispostos a assumir riscos, é curto. 

A recapitalização na crise poderia ter dado início à ambição da União Europeia (UE) de uma união dos mercados de capitais, pois com planos públicos ou credores privados reestruturados, muitas empresas europeias poderiam recorrer ao mercado de ações pela primeira vez. 

Costuma-se dizer que uma crise é também uma oportunidade. Se a UE se sair mal na correção dos balanços das empresas, corre o risco de conduzir mal as duas 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/09/09/paises-europeus-terao-de-ajudar-a-recapitalizar-parte-de-suas-empresas.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação