Isolamentos de cidades inteiras. Pânico nos mercados financeiros. Prateleiras vazias. Falta de leitos nos hospitais. O mundo entrou numa realidade desconhecida fora de tempo de guerra.
Ao exigirem que as pessoas se isolem em casa, os governantes esperam diminuir e depois reverter a propagação da covid-19. Mas o isolamento por si só, ou um impulso de imprimir dinheiro, não impedirá a pandemia nem salvará as economias. Os US$ 2 trilhões do pacote de resgate dos EUA são um exemplo. Os EUA precisam de gastos do governo na escala que o pacote prevê, mas também da intervenção do governo para lidar com uma profunda crise de saúde pública. Assim, muitas das propostas do pacote de “estímulo” parecem equivocadas, algumas são lamentáveis. Outras vão no caminho certo, mas são muito fragmentadas.
Mas, mais alarmante, muitos políticos, incluindo o presidente Donald Trump, estão simplesmente presumindo que o pacote permitirá a flexibilização da quarentena no mais tardar na Páscoa, ignorando a ameaça que a covid-19 representa não só aos mais velhos, mas também aos jovens. Segundo o “The New York Times”, cerca de 40% das pessoas hospitalizadas pela doença nos EUA têm entre 20 e 54 anos, o que sugere que a pressão sobre o sistema de saúde vai piorar significativamente antes de melhorar. A possibilidade de milhões de mortes enquanto a economia é paralisada justifica ampliar substancialmente a extensão e o escopo da ação do governo. Portanto, a resposta do governo deve ser vista como um tipo sem precedente de seguro sistêmico de curto prazo de nossas vidas e meios de subsistência. Considerando o valor absoluto que colocamos em ambos, cidadãos e governos devem estar preparados para pagar o que pode parecer um prêmio extremamente alto.
O seguro sistêmico necessário exige um esforço liderado pelo governo em quatro áreas: 1. redirecionar a capacidade produtiva existente da economia para superar a crescente escassez de equipamentos e serviços necessários para responder à pandemia; 2. apoiar as empresas que não estejam diretamente envolvidas nos esforços de combate à crise, para que possam continuar a fornecer bens e serviços essenciais; 3. garantir que a população tenha meios suficientes para comprar esses bens e serviços; e 4. criar um mecanismo financeiro para ajudar quem consegue pagar a prestação do financiamento imobiliário e outras obrigações, atenuando assim riscos catastróficos ao setor financeiro.
Esse seguro sistêmico vai muito além das propostas atuais de se gastar bilhões de dólares, grande parte destinado a iniciativas políticas que diagnosticam erroneamente a crise como uma falta de demanda agregada ou como resultado de um choque ordinário na oferta. Além disso, grandes somas estão sendo colocadas em resgates financeiros que não condicionam o dinheiro à participação de uma empresa no esforço de combater a crise da saúde e as suas consequências econômicas.
Como as autoridades pelo mundo consideram grandes gastos para combater a crise da covid-19, as perguntas mais imediatas que enfrentamos são se as políticas atualmente à mesa dão um seguro suficiente contra os crescentes riscos sistêmicos. Os critérios são simples: 1. será que os gastos públicos estão focados o suficiente para superar a crise de saúde pública?; e 2. será que o pacote de resgate econômico é adequado para sustentar o bem-estar da população?
Considerando o segundo critério, o “dinheiro de helicóptero” para ajudar a impedir a falência da população deveria ser recorrente, em vez de um ou dois desembolsos. Expansão do seguro desemprego, junto com a ampliação da distribuição de cestas básicas de alimentação e outros benefícios desse tipo, também ajudariam a fornecer os meios para pagar os bens e serviços essenciais.
Políticas que visam estimular o emprego, como cortes nos impostos das empresas ou desoneração da folha de pagamentos, defendidas pelos republicanos nos EUA, certamente não ajudarão a combater a pandemia e suas consequências na oferta de bens e serviços. Não se pode contar com funcionários doentes ou suscetíveis de
ficarem doentes e, portanto, perigosos para os outros, para manter a produção de bens e serviços.
O que é agora dolorosamente claro é que há uma escassez de oferta de um tipo sem precedentes: equipamentos e instalações médicas. E é igualmente claro que as políticas em discussão nos EUA, que dependem do reaproveitamento voluntário da capacidade de produção existente, são inadequadas para encerrar isso.
Reequipar fábricas para produzirem respiradores e equipamentos de proteção para o pessoal médico, por exemplo, leva tempo. Por isso, estas medidas têm de ser ampliadas sem demora. Além disso, esse reequilíbrio requer gastos financeiros substanciais, difíceis de fazer numa economia em colapso.
A fim de redirecionar a capacidade existente, o governo deveria condicionar o apoio a qualquer empresa privada ao compromisso de a empresa produzir material vital (especificado por especialistas médicos).
Esta condicionalidade não deveria se aplicar só às empresas que produzem equipamentos. A estratégia de seguro sistêmico deveria exigir que grandes empresas do setor de serviços, como as aéreas ou redes de hotéis, recebessem resgates financeiros apenas se redefinissem a sua capacidade de apoiar a luta contra a pandemia. Em vez de ficarem paradas à espera do restabelecimento das viagens, as companhias aéreas deveriam receber financiamento para equiparem os seus aviões de forma a transportar suprimentos e equipamentos médicos ou deslocar pacientes doentes para locais com capacidade para cuidar deles. Da mesma forma, os hotéis devem ser apoiados pelo governo só se concordarem em redirecionar unidades para servirem como hospitais temporários.
Além de reaproveitar a capacidade existente, o seguro sistêmico exigiria que os funcionários das empresas socorridas continuassem a receber um salário adequado. Os resgates financeiros não devem ser desviados para elevar salários dos executivos, recomprar ações ou pagar dividendos.
O que torna o seguro sistêmico sem precedentes é que ele requer não apenas gastos públicos, mas também intervenções lideradas pelo governo em larga escala na forma como as nossas economias produzem e distribuem bens e serviços. Esse movimento em direção à ação do Estado é muito mais abrangente do que foi a mobilização para a Segunda Guerra Mundial, um paralelo muito lembrado.
Mas essa reorganização das nossas economias coloca mais do que dificuldades operacionais, especialmente nos EUA, onde o governo historicamente limitou estritamente a sua intervenção direta na atividades produtivas. Embora a intervenção dos governos nas economias modernas assuma várias formas, as ideias enraizadas sobre o equilíbrio entre o Estado e o mercado estão agora impedindo uma resposta adequada a esta crise.
Até agora, Trump e os políticos americanos favoreceram medidas fragmentadas, em especial quando se trata de o Estado guiar – na verdade, reorganizar – o setor privado. A crença instintiva na superioridade do mercado e da iniciativa privada, independentemente das circunstâncias, os levam a recuar na escala de intervenção que é necessária para salvar nossas vidas e os nossos meios de subsistência.
Os repetidos mantras sobre o papel adequado do Estado não devem se tornar obstáculos para atenuar os graves riscos sistêmicos que enfrentamos. O fraco histórico dos governos em lidar com outra ameaça existencial – a mudança climática – não inspira otimismo.
Copyright: Project Syndicate, 2020. http://www.project-syndicate.orgRoman Frydman é professor de economia na Universidade de Nova York. Edmund S. Phelps, Prêmio Nobel de Economia de 2006, é diretor do Centro de Capitalismo e Sociedade da Universidade Columbia.