Os olhos do mundo estão sobre a Ucrânia

Setenta e nove anos atrás, paraquedistas aliados começaram a pousar atrás das praias da Normandia.

A Segunda Guerra Mundial foi há muito tempo, mas ainda vive na memória dos Estados Unidos. E o aniversário do Dia D, nesta terça-feira (6), parece especialmente evocativo este ano, enquanto aguardamos o equivalente moral do Dia D, chegando a qualquer momento quando a Ucrânia começar seu tão esperado contra-ataque aos invasores russos (que pode já ter começado).

Eu uso a expressão “equivalente moral” deliberadamente. A Segunda Guerra Mundial foi uma das poucas guerras que foi claramente uma luta do bem contra o mal.

No entanto, os “mocinhos” não eram de forma alguma totalmente bons. Os americanos ainda tinham direitos básicos negados e ocasionalmente massacrados por causa da cor de sua pele. A Grã-Bretanha ainda governava, às vezes brutalmente, um vasto império colonial.

Se as grandes democracias muitas vezes falharam em viver de acordo com seus ideais, entretanto, elas tinham os ideais certos; defendiam, ainda que imperfeitamente, a liberdade contra as forças da tirania, da supremacia racial e do assassinato em massa.

Se a Ucrânia vencer esta guerra, alguns de seus apoiadores no exterior sem dúvida ficarão desiludidos ao descobrir o lado mais sombrio desse país. Antes da guerra, a Ucrânia tinha uma classificação alta em medidas de percepção de corrupção –melhor que a da Rússia, mas isso não quer dizer muita coisa. A vitória não vai acabar com a corrupção.

E a Ucrânia tem um movimento de extrema direita, incluindo grupos paramilitares que participaram de sua guerra. O país sofreu terrivelmente sob Stalin, com milhões morrendo de fome deliberadamente planejada; por isso, alguns ucranianos inicialmente deram as boas-vindas aos alemães durante a Segunda Guerra Mundial (até perceberem que eles também eram considerados sub-humanos), e a iconografia nazista ainda é difundida de forma perturbadora.

No entanto, assim como as falhas dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, essas sombras não criam nenhuma equivalência entre os dois lados nesta guerra. A Ucrânia é uma democracia imperfeita, mas real, que espera se juntar à comunidade democrática mais ampla. A Rússia de Vladimir Putin é um ator malévolo, e os amigos da liberdade em todos os lugares devem esperar que ela seja totalmente derrotada.

Eu gostaria de poder dizer que os cidadãos das democracias ocidentais, em particular os EUA, estão totalmente comprometidos com a vitória ucraniana e a derrota russa. Na realidade, embora a maioria dos americanos apoie a ajuda à Ucrânia, apenas uma minoria está disposta a manter essa ajuda pelo tempo que for necessário. A opinião pública dos EUA sobre a ajuda à Ucrânia hoje parece notavelmente semelhante às pesquisas do início de 1941 (isto é, bem antes de Pearl Harbor) sobre o programa de empréstimos e arrendamentos de ajuda militar à Grã-Bretanha.

E aqueles que se opõem a ajudar a Ucrânia?

Alguns dos que são contra a ajuda ocidental simplesmente não veem a equivalência moral com a Segunda Guerra Mundial. À esquerda, em particular, há pessoas para as quais é sempre 2003. Elas se lembram de como os EUA foram levados à guerra com falsos pretextos –o que, para constar, eu percebi que estava ocorrendo e me opus veementemente na época– e não conseguem ver que esta situação é diferente.

À direita, por outro lado, muitos dos que se opõem a ajudar a Ucrânia –uma espécie de facção Tucker Carlson– entendem do que se trata esta guerra. E eles estão do lado dos bandidos. A “ala Putin” do Partido Republicano há muito admira o regime autoritário da Rússia e sua intolerância. Antes da guerra, republicanos como o senador Ted Cruz compararam o que consideravam a dureza russa com os militares americanos “benevolentes e emasculados”; os fracassos militares da Rússia ameaçam toda a visão de mundo dessas pessoas, e elas seriam humilhadas por uma vitória ucraniana.

A questão é que as apostas na Ucrânia agora são muito altas. Se a contraofensiva ucraniana tiver êxito, as forças da democracia serão fortalecidas em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos. Se falhar, será um desastre não apenas para a Ucrânia, mas para o mundo. A ajuda ocidental à Ucrânia pode acabar, Putin pode finalmente alcançar a vitória que a maioria das pessoas esperava que ele tivesse nos primeiros dias da guerra, e a democracia será enfraquecida em todos os lugares.

O que vai acontecer? Nem mesmo os especialistas militares sabem, e não tenho ilusões de ser um especialista. No meu ver, as autoridades ocidentais parecem cada vez mais positivas sobre as chances da Ucrânia. E assuntos militares não são como economia, onde, digamos, o Federal Reserve trabalha basicamente com as mesmas informações disponíveis a todos os que sabem usar o site de pesquisa econômica do Fed de St. Louis. Os oficiais de defesa têm acesso a informações que o público não tem e não querem acabar parecendo tolos, por isso seu otimismo provavelmente não é uma bravata vazia.

Ainda assim, não é preciso ser um especialista militar para saber que atacar defesas fortificadas –que é o que a Ucrânia precisa fazer– é muito difícil.

Na véspera do Dia D, Dwight Eisenhower disse à força expedicionária: “Os olhos do mundo estão sobre vocês”. Agora os olhos do mundo estão voltados para as forças armadas da Ucrânia. Vamos esperar que elas tenham êxito.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2023/06/os-olhos-do-mundo-estao-sobre-a-ucrania.shtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação