Nas campanhas presidenciais nos EUA existe sempre a expectativa de uma surpresa de outubro, um evento inesperado que pode influenciar a votação às vésperas das eleições. Normalmente é um tema interno. Mas desta vez um forte candidato a surpresa de outubro é o conflito no Oriente Médio. Israel vem buscando atrair os EUA para um a guerra com o Irã.
A questão para Israel é o programa nuclear iraniano. Há décadas o Irã vem desenvolvendo tecnologia e enriquecendo urânio que pode ser usado para a fabricação de bombas atômicas. O regime teocrático do Irã argumenta que o seu programa nuclear tem como objetivo apenas geração de energia elétrica. Quase ninguém acredita.
Ter armas nucleares é praticamente uma garantia de que um país não será invadido, pois em última instância ele pode usar a bomba atômica para se defender. O Irã dos aiatolás é um inimigo jurado do Ocidente e do seu estilo de vida liberal, que ele acusa de contaminar outras culturas. Após a Revolução Iraniana, de 1979, os EUA apoiaram o Iraque numa guerra contra o Irã. O país, de maioria muçulmana xiita, também tem uma relação tensa com os vizinhos sunitas, especialmente com a Arábia Saudita. A bomba atômica possivelmente é vista pelo regime iraniano como uma apólice de seguro.
Mas o Irã também é inimigo declarado de Israel. Teerã diz liderar o que chama de resistência ao Estado judaico. Isto é, quer destruir Israel e devolver o território israelense aos povos árabes que ali viviam antes da criação do Estado judaico. Ou pelo menos essa é a retórica. Assim, muitos em Israel, incluindo o governo do premiê Benjamin Netanyahu, veem um Irã com capacidade nuclear como uma ameaça existencial. Ainda que Israel tenha já armas nucleares — embora não declaradamente.
Tanto Israel como o Ocidente buscam impedir que o Irã consiga desenvolver essa capacidade militar nuclear. Houve ataques a instalações e cientistas iranianos, sabotagem e sanções econômicas. Em 2015, foi fechado um acordo com entre o Irã e o P5+1 (que se refere aos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha), que previa uma limitação do programa nuclear iraniano e inspeções regulares (o que antes Teerã não permitia), em troca do fim das sanções econômicas ao país.
Israel se opôs ao acordo, argumentando que ele apenas ganhava tempo, permitia que o Irã continuasse desenvolvendo tecnologia e não resolvia a questão. Para o governo israelense, a solução é destruir o programa nuclear iraniano. Mas as principais instalações iranianas são subterrâneas e bem protegidas. Destruí-las implicaria uma guerra e possivelmente a necessidade de invadir o país e derrubar o regime atual. Só que Israel não tem a capacidade de fazer isso sozinho.
Em 2018, o então presidente Donald Trump retirou os EUA do acordo com o Irã, dizendo que era “horrível”, favorável ao Irã e que nunca deveria ter sido assinado. E recolocou as sanções americanas contra Teerã. Essas sanções prejudicam a economia iraniana, mas menos do que no passado, pois China e Rússia ajudam a driblá-las. O governo americano também estimulou protestos contra a falta de liberdade no Irã, que foram violentamente reprimidos. Trump, porém, não se deixou convencer a lançar um ataque ao Irã. Com a volta das sanções, os iranianos também renegaram o acordo e retomaram seu programa nuclear.
Hoje acredita-se que o país esteja a um par de anos, se tanto, de produzir sua primeira bomba atômica. Há negociações em andamento, mas nenhum acordo em vista.
A guerra iniciada pelo ataque do Hamas (grupo apoiado por Teerã) a Israel, um ano atrás, deu ao governo israelense uma nova oportunidade de tentar envolver os EUA num conflito com o Irã. A
campanha brutal contra o Hamas em Gaza, que matou milhares de civis palestinos, a ofensiva contra o Hizbollah (outro grupo apoiado por Teerã) no Líbano, com ações espetaculares e humilhantes, como a explosão dos pagers, e ataques indiretos (como o bombardeio ao consulado iraniano em Damasco (Síria) foram também, possivelmente, provocações para levar o Irã a atacar Israel e forçar assim os EUA a entrar numa guerra.
O Irã respondeu com cautela. É difícil saber se por falta de capacidade ou para evitar um conflito que prefere evitar neste momento. Lançou dois ataques com drones e mísseis a Israel, mas que foram amplamente antecipados, interceptados e não causaram nenhuma morte. Foram, porém, os primeiros ataques diretos do Irã a Israel. Agora o governo israelense avalia uma retaliação ao segundo ataque iraniano. A dimensão dessa retaliação pode gerar um conflito mais amplo no Oriente Médio. Especula-se, por exemplo, num ataque aos campos de petróleo iranianos.
Segundo a mídia americana, o governo Netanyahu vem se negando a compartilhar informações sobre essa retaliação com Washington. Nesta semana, foi cancelada uma visita do ministro da Defesa israelense aos EUA.
Netanyahu sabe que, durante a campanha eleitoral, haverá uma necessidade do governo de Joe Biden de mostrar apoio a Israel, pois não fazer isso destruiria as chances de vitória da candidata democrata, Kamala Harris. Os americanos em geral apoiam Israel. Trump se diz o melhor amigo de Israel nos EUA.
Mas essa janela de oportunidade vai se fechar com as eleições presidenciais de 5 de novembro nos EUA. Depois disso, o governo americano provavelmente poderá usar uma mão mais pesada com Israel. Se Kamala vencer, Netanyahu dificilmente terá o apoio que pretende de Washington nos próximos quatro anos, período no qual o Irã poderá ter a sua bomba atômica.
Forçar a barra contra o Irã também é uma forma de constranger o governo Biden e prejudicar Kamala nas eleições. Biden vem mantendo o apoio americano a Israel, mas com um alto custo político, pois esse apoio contraria eleitores jovens e muçulmanos nos EUA. Kamala precisa do voto deles para derrotar Trump. Netanyahu certamente prefere o retorno do republicano à Presidência. Manter o preço alto do petróleo por meio da tensão no Oriente Médio também prejudica Kamala, pois a inflação é um dos principais temas da campanha eleitoral nos EUA.
Assim, a surpresa de outubro das eleições americanas pode bem ser a retaliação de Israel ao Irã. Uma ação israelense que agrave ainda mais o conflito no Oriente Médio ameaçará arrastar os EUA para um conflito que o governo Biden não deseja e que teria alto impacto econômico e político.
Mas traria também riscos enormes para Israel. Até agora, os países árabes vêm se mantendo distantes do conflito entre Israel e Hamas/Hizbollah. Mas uma guerra ampla na região pode forçar esses governos a tomar partido. E poderia também envolver a Rússia, que hoje é um aliado estratégico do Irã.