O objetivo é que o acordo seja cumprido não apenas assinado. Por esta razão, a conferência das Nações Unidas em Paris pode fechar o primeiro acordo climático global da história, que será legalmente vinculante, mas com instrumentos que garantam variações nos compromissos.
Mas como torna-lo uma lei global? A frase de Christiana Figueres, secretária-executiva da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, dita ontem à imprensa brasileira, sinaliza como está se tentando equacionar um dos problemas do acordo de Paris – torná-lo uma lei global, mas sem que tenha que passar pelo Congresso americano, que, sabidamente, rejeita qualquer legislação interncional, como mostrou matéria do Valor assinada por Assis Moreira e Daniela Chiaretti, na edição de 30/11.
A ideia é tentar aprovar em Paris um “acordo híbrido”, como o principal negociador americano, Todd Stern, vem defendendo há meses. Neste formato, uma parte do acordo de Paris seria legalmente vinculante, e outra, não – uma espécie de decisão menor.
Os americanos preferem usar o termo “acordo legal”. Trata-se da estratégia do presidente Barack Obama de comprometer-se, em Paris, com o que já articulou domesticamente nos EUA, com os órgãos sob sua gestão, como a agência ambiental americana, a EPA.
“Os Estados Unidos querem ser parte de um acordo internacional vinculante. A questão é como fazer com que possam participar sem que tenha que ser ratificado pelo Senado”, diz Jennifer Morgan, diretora do programa de clima do think-tank americano World Resources Institute (WRI).
“Tem que ser algo como um acordo executivo, que o presidente possa assinar e fazer funcionar domesticamente”, explica. “Por isso não pode ter metas ou prazos definidos”, sugere.
Se o acordo de Paris tiver o status de um “tratado”, terá que ser ratificado pelo Congresso americano. É por isso que, há poucos dias, o secretário de Estado dos EUA John Kerry disse que o acordo de Paris “não será, definitivamente, um tratado”.
Mesmo assim, ele pode ser legalmente vinculante – a afirmação foi de Christiana Figueres, à imprensa brasileira, em entrevista em uma esquina de Paris, ao sair de encontro com o presidente da França, François Hollande. “Claro que acredito em acordo, estou 100% otimista. Não podemos nos permitir menos que isso”, disse ela, notando que 150 chefes de governo estão em Paris e sabem o que “temos de fazer”.
“O acordo do clima será legalmente vinculamente e os EUA vão concordar. Só que será muito mais complexo do que o Protocolo de Kyoto”, continuou.
O Protocolo de Kyoto foi o primeiro acordo climático legalmente vinculante que já existiu – mas não tinha alcance global, mirava apenas os países desenvolvidos. O acordo de Paris, se for fechado em duas semanas, atingirá todos os países. “Alguns elementos terão diferentes níveis e natureza de vinculação jurídica diferentes”, acrescentou ela.
“Um fiasco não está no nosso cenario’, continuou Christiana. Trata-se de uma referência indireta à Conferência de Copenhague, em 2009. Ali havia muita pressão para que o acordo fosse legalmente vinculante – “legally binding”, em inglês. Não deu certo.
“O complicado é fazer com que tudo se encaixe de maneira coerente e que o acordo de Paris seja duradouro e justo.”
Segundo a representante da ONU, é muito claro que o compromisso de USS 100 bilhões ao ano, em 2020, para mitigação e adaptação à mudança climática deve vir dos países desenvolvidos e do setor privado. Esta foi a promessa dos países ricos feita em 2009 e ainda não cumprida integralmente.
Christiana disse que dinheiro adicional pode vir, como a contribuição de US$ 3,1 bilhões colocada na mesa pela China através de cooperação Sul-Sul.
As metas voluntárias apresentadas até agora por 184 países representam mais de 90% das emissões de gases-estufa do mundo. Christiana interpreta isso como um grande engajamento prévio ao acordo de Paris. Isto é bem diferente de Copenhague, quando havia apenas confronto entre os países.
Christiana Figueres destacou também o surgimento de novas tecnologias em energias renováveis, que tiveram o preço reduzido em 80% nos últimos anos. Além disso, mais de US$ 2 trilhões de investimentos passaram das energias fósseis para energias renováveis. Para ela, os planos nacionais não são suficientes e precisam ser colocados em esforços de mais longo prazo. O acordo, por isso, deve estipular que estas metas sejam revistas a cada cinco anos, como forma de aumentar esses esforços.