O tempo gasto na Internet deveria ser remunerado?

Mesmo sem saber, você já trabalhou para três ou quatro empresas no dia de hoje. Se postou uma foto na sua rede social, ajudou indiretamente a torná-la mais atrativa para que outros entrem nela e consumam publicidade. Se passou por um controle contra robôs para entrar num site, esses sinais de trânsito que você identificou agora se tornarão um pouco menos complicados para os carros autônomos. E se o que reconheceu foram letras de um texto praticamente ilegível, você ajudou a decifrar o conteúdo de um livro que o software de digitalização estava custando a entender.
Ter consciência do valor que geramos em nosso percurso diário pela Internet é, para um grupo de acadêmicos da Microsoft e das universidades de Stanford e Columbia, só a primeira parte de uma próxima revolução digital em que, em troca dos nossos dados, os internautas também exigirão dinheiro. Como eles mesmos escreveram em Should We Treat Data as Labor? (“Devemos tratar os dados como trabalho?”), seu estudo divulgado em dezembro, aproxima-se uma era em que “os trabalhadores dos dados poderiam se agrupar em sindicatos para estabelecer negociações coletivas”, como mostrou matéria de Francisco de Zárate, publicada na Edição Brasil do El País em 07/02.
A novidade do enfoque é justamente essa: entender os dados como fruto do trabalho pessoal. Até agora, são tratados como um subproduto da nossa vida on-line, que as empresas da Internet aproveitam para melhorar os sistemas de inteligência artificial. Na melhor das hipóteses, um investimento de capital por parte do setor tecnológico que, em troca de nos oferecer serviços digitais gratuitos, ficam com toda a informação que geramos.
Para Glen Weyl, um dos autores do paper, o cenário atual se parece mais com o feudalismo – quando o senhor ficava com o trabalho do camponês em troca de proteção e justiça – do que com uma economia de mercado.
Embora soe paradoxal, os autores acham que a criação de um mercado global de dados ajudaria não só os operários, mas também as empresas, que, ao se verem obrigadas a pagar, melhorariam o desenvolvimento de seus softwares de inteligência artificial.
Como explica o escritor, compositor e artista visual Jaron Lanier, “o exemplo mais fácil para entender isso é o das traduções automáticas pela Internet: esses serviços funcionam juntando milhões de frases que tradutores da vida real publicaram na Internet. Os robôs precisam atualizá-lo diariamente, porque a língua muda todos os dias. Mas, em vez de roubar o trabalho dos tradutores sem que estes fiquem sabendo, não fariam traduções melhores e mais eficientes se lhes pagassem para escolherem as equivalências que melhor se ajustam a cada caso?”
O temido fim do trabalho
O exemplo explica também o outro beneficio que o estudo aponta: aliviar a angústia com que muitos vivem a possível eliminação do seu trabalho pelo desenvolvimento da inteligência artificial. Até agora, a única solução proposta foi a atribuição de uma renda básica universal. Segundo os autores, reconhecer a contribuição desses trabalhadores é uma forma mais digna e honesta de incorporá-los aos benefícios gerados pela automatização.
Mas é possível ganhar a vida só gerando dados? Weil acredita que não. Por enquanto. “A inteligência artificial ainda é uma parte muito pequena da economia, mas se efetivamente os robôs vierem a ficar com os trabalhos, queremos nos assegurar de que as pessoas tenham um futuro nesse cenário”, disse.
Sem ter a ambição de definir todas as características de um mercado global de dados, o estudo aponta para essa necessidade. Uma das lacunas a preencher é a das categorias de dados e sua diferente valorização. Imanol Arrieta Ibarra, outro dos autores, diz que é muito difícil fazer essa classificação, mas que há dados cujo valor muda conforme o estímulo. “Sua data de nascimento é sempre a mesma, paguem ou não a você por isso, mas suas contribuições ao Waze e ao Google Maps poderiam melhorar muito se lhe pagassem”, explicou.
Novos sindicatos
O que eles têm claro é que um mercado justo será impossível sem uma união dos trabalhadores dos dados. Se numa empresa de cem pessoas a capacidade de negociação de um empregado raso é praticamente zero, qual será seu poder em um mercado de bilhões de trabalhadores e menos de dez empresas contratando? Por isso eles propõem a criação de um novo tipo de sindicato.
Segundo Lanier, o trabalho que um escritório de direitos autorais faz para os músicos seria o exemplo atual mais próximo desses possíveis sindicatos, “embora seja muito menos sofisticado”. “Ainda não sabemos quais mecanismos funcionarão melhor, mas sim que valorizar a geração dos dados precisa ser parte da solução para uma sociedade futura sustentável.”

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