O revide ao Facebook

Alvos dos órgãos reguladores muitas vezes se queixam de que seus opositores estão travando o combate atual com a mesma tática do antigo. De fato, essa foi a primeira resposta do Facebook quando a empresa foi processada, na semana passada, pela Federal Trade Commission (FTC, o órgão federal antitruste dos EUA] e por 48 ministérios públicos estaduais por práticas anticompetitivas. 

Os Estados e o governo federal estão tentando obrigar a empresa a desmembrar o WhatsApp e o Instagram, aquisições feitas anos atrás que contribuíram para que a companhia dominasse o panorama das redes sociais. O Facebook qualificou as queixas de “história revisionista” e de injustas. 

Na verdade, esses processos são justos, legítimos e muito necessários. Apesar da afirmação do Facebook de que suas compras tinham recebido o “nada em contrário”, especialistas como o professor de direito Tim Wu argumentam que a FTC não “aprovou” os negócios, apenas optou por não tentar barrá-los na época. 

Mas o caso do Facebook envolve, na verdade, algo muito maior e mais importante: mostra como os órgãos reguladores estão mudando sua visão de mundo. Eles estão começando a encarar o mercado como os colossos do Vale do Silício o encaram, e não como os economistas e advogados tecnocráticos do distrito federal tradicionalmente o encaravam. 

Em 2012, quando o Facebook adquiria o aplicativo de compartilhamento de fotos Instagram e o WhatsApp se tornava o líder da categoria de troca de mensagens por celular, havia muito pouco entendimento público sobre os modelos de negócios das grandes empresas de tecnologia. 

A maioria dos consumidores achava que estava conseguindo alguma coisa sem custo: buscas por internet “de graça” e uma maneira nova e gratuita de se comunicar com amigos. Na verdade, seus atos, preferências e comunicações estavam sendo vigiados e vendidos para quem oferecesse mais, enquanto os tecnólogos comportamentais mobilizavam ajustes finos algorítmicos inteligentes para empurrar os usuários na direção do conteúdo e dos produtos que as plataformas queriam promover. 

Em retrospectiva, fica claro que os órgãos reguladores que acompanhavam esse panorama cometeram erros cruciais. Eles consideraram produtos diversificados como constituintes de mercados diferentes: redes sociais em PCs, troca de mensagens em telefones celulares, compartilhamento de fotos e assim por diante. Concentraram-se no número de usuários individuais alcançado por cada empresa ou aplicativo, e não nos dados como um todo que uma entidade recém-fundida conseguiria alavancar por meio de todos os serviços e dispositivos. 

As autoridades reguladoras também não levaram em conta a maneira pela qual a publicidade comportalmentalmente direcionada poderia influenciar nossas escolhas. E, o que talvez seja o mais importante, os órgãos reguladores não entenderam integralmente a natureza das transações digitais de permuta. Por meio delas, os usuários pagam por serviços em uma nova moeda – dados pessoais -, sem saber exatamente o que a companhia está obtendo ou o que fará com eles posteriormente. 

Os reguladores começaram a deixar de lado seu foco linear em “mercados eficientes” definidos por preços baixos ao consumidor. Começaram, em vez disso, a entender os mercados digitais como cenários de “o vencedor leva tudo”. 

Grandes empresas de tecnologia, felizmente, coexistem com inovadoras de menor porte, muitas vezes se beneficiando de brechas jurídicas a fim de copiar suas ideias. De vez em quando uma concorrente especialmente bem-sucedida como o WhatsApp ou o Instagram ganha porte e sucesso suficiente para permitir o ingresso do efeito de rede, que permite com que a empresa cresça e acrescente novos recursos e novos usuários com mais rapidez que os gigantes preexistentes. 

Foi nesse momento, alegam os procuradores-gerais, que o Facebook se voltou para aquisições a fim de neutralizar a ameaça competitiva. O processo cita o executivo- chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, que, mesmo que o Instagram e o WhatsApp não estivessem interessados em ser vendidos, “eles teriam de estudar essa possibilidade” se ele oferecesse “um preço suficientemente elevado”. 

O Facebook teria feito uma oferta impossível de ser recusada por algum investidor. A empresa comprou, supostamente, outra “startup”, a Onavo, que monitora aplicativos de celulares para ajudá-la a voltar suas baterias para concorrentes em ascensão. Aquisições desse tipo não puxam para cima os preços ao consumidor, mas, sim, reduzem as opções do consumidor e a inovação. Esse é um problema enorme. 

Muitos tecnólogos, economistas e advogados argumentam que a última grande ação movida por monopólio digital, que alegava que a Microsoft abusava de sua hegemonia em sistemas operacionais para PCs, contribuiu para abrir o espaço necessário para o crescimento de “startups” como o Google. Como tuitou o diretor da FTC, Rohit Chopra, nesta semana: “Os executivos do Facebook ficaram com medo de que novas empresas de inovação estivessem atraindo para si, em detrimento deles, a atenção dos usuários. A empresa estava sendo deixada para trás pelo desenvolvimento acelerado de maneiras inovadoras de se comunicar”. 

As queixas-crime da FTC e dos Estados deixam claro que esses órgãos estão tentando ampliar a definição do que é um monopólio ilegal. Eles foram além da visão liberal de que o bem-estar do consumidor se resume na queda dos preços e alegam que “o tempo, a atenção e os dados pessoais” dos usuários estão sendo justapostos e vendidos de maneiras desleais. 

Essa mudança já passou da hora há muito tempo. O conteúdo atualmente distribuído gratuitamente tem enorme valor. (Lembre-se de como o preço das ações do Facebook caiu quando a socialite e empresária Kim Kardashian boicotou o site por um dia para protestar contra a desinformação). Desenvolvedoras terceiras não deveriam ser obrigadas a trabalhar apenas com o Facebook para ter acesso a sua plataforma. 

A queixa-crime contra o Facebook é muito mais ampla do que o processo antitruste protocolado contra o Google em outubro. Talvez marque o verdadeiro primeiro caso antitruste pós-neoliberal. Se os órgãos reguladores vencerem, poderão defender a interoperabilidade fiscalizada de aplicativos e de dados e algum tipo de órgão de auditoria ou de supervisão para garantir que não haja discriminação. Os próximos passos poderão ser a supervisão reguladora formal e limites rígidos sobre o uso de dados. Ao que parece, os órgãos reguladores também conseguem agir rapidamente e promover rupturas. (Tradução de Rachel Warszawski) 

Rana Foroohar é editora especial do Financial Times em Nova York. 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-revide-ao-facebook.ghtml

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