O que significa a decisão de Moscou de reconhecer a independência de regiões separatistas da Ucrânia?

Financial Times; O presidente da RússiaVladimir Putin, anunciou  o reconhecimento da independência de duas regiões separatistas apoiadas por Moscou no leste da Ucrânia – um passo que deve aumentar drasticamente o risco de uma guerra em grande escala com Kiev.

A decisão, anunciada após uma reunião televisionada do Conselho de Segurança da Rússia, veio em resposta aos apelos dos líderes das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk Luhansk, na região de Donbass, para que Putin os reconheça como Estados independentes e os proteja do que eles dizem ser um plano de ofensiva da Ucrânia para retomar os territórios. A Ucrânia negou isso e disse que a Rússia estava tentando usar a alegação como pretexto para uma nova invasão.

O que são as repúblicas populares de Donetsk e Luhansk?

Autoproclamadas, mas quase totalmente dependentes do apoio do Kremlin, as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk declararam independência de Kiev em abril de 2014, depois que milícias apoiadas pela Rússia tomaram o controle de sedes do governo local e outras infraestruturas após a invasão da Crimeia por Moscou. Os territórios fazem fronteira com a Rússia no flanco leste da Ucrânia. Grande parte da população da região, que abriga mais de 3 milhões de pessoas, fala a língua russa. A área recebeu grandes quantidades de assistência financeira, humanitária e militar do Kremlin. O apoio de Moscou às regiões veio depois que o movimento pró-ocidental Maidan derrubou o presidente pró-Rússia da Ucrânia em fevereiro de 2014.

Sob os acordos de Minsk – negociações de paz mediadas pela França Alemanha – um cessar-fogo deixou os separatistas no controle “de facto” de cerca de um terço dos distritos administrativos ucranianos de Donetsk e Luhansk, com uma linha de controle pesadamente fortificada separando-os das tropas ucranianas.

Ao mesmo tempo, a Rússia passou os últimos oito anos aumentando sua influência na região. Ela deu passaportes e cidadania para cerca de 800 mil de seus cidadãos, disseram autoridades russas nesta segunda-feira, enfatizando a necessidade do Kremlin de protegê-los.

Por que seu reconhecimento por Moscou seria importante?

No passado, Moscou recuou do reconhecimento, preferindo exercer controle indireto e usar os territórios como ponta de lança em suas disputas mais amplas com a Ucrânia e o Ocidente. O reconhecimento provavelmente trará dois grandes resultados iniciais. Primeiro,

.Em segundo lugar, daria ao Kremlin uma justificativa para enviar tropas e equipamentos.

A Ucrânia descreve as regiões como “territórios temporariamente ocupados” e os acordos de Minsk preveem seu eventual retorno a Kiev. Mas tanto a Ucrânia quanto a Rússia falharam em implementar os termos dos acordos, deixando o status dos territórios no limbo o colapso dos acordos de Minsk e as esperanças de envolver o status da região numa solução diplomática para o conflito na Ucrânia. Isso provavelmente aumentaria o risco de um conflito total entre Moscou e Kiev ao longo de uma linha de frente já ativa.

Um problema maior surge no médio prazo: os dois Estados reivindicam todos os distritos ucranianos de Luhansk e Donetsk. A Rússia não deixou claro se está reconhecendo também as reivindicações sobre o território desses distritos.

Como o Ocidente responderá?

Otan e a União Europeia (UE) alertaram que o reconhecimento das regiões separatistas seria uma grande escalada no conflito entre Moscou e Kiev, enquanto algumas autoridades europeias pediram que isso fosse um gatilho para o início da implementação do pacote de sanções contra a Rússia. Tal medida seria “uma escalada aberta”, disse o ministro das Relações Exteriores da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, acrescentando que “deveria ser recebida com sanções rápidas e decisivas” se aprovada por Putin.

No entanto, a UE, Estados UnidosReino Unido e outros países ocidentais disseram anteriormente que grandes sanções contra Moscou seriam implantadas, no caso de reconhecimento de Donetsk e Luhansk. 

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse, na semana passada, que o reconhecimento representaria “uma violação flagrante da integridade e soberania territorial da Ucrânia” e violaria o direito internacional. Tal medida seria “uma escalada aberta”, disse o ministro das Relações Exteriores da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, acrescentando que “deveria ser recebida com sanções rápidas e decisivas” se aprovada por Putin.

No entanto, a UE, Estados Unidos, Reino Unido e outros países ocidentais disseram anteriormente que grandes sanções contra Moscou seriam implantadas, no caso de um ataque militar à própria Ucrânia e não houve acordo público sobre como responder no caso de reconhecimento de Donetsk e Luhansk. 

Por que isto está acontecendo agora?

Após uma grande escalada militar russa perto das fronteiras da Ucrânia, governos ocidentais alertaram por semanas que Donetsk e Luhansk poderiam ser usadas para criar um pretexto para a guerra, provocando uma resposta de Kiev ou encenando um ataque de “bandeira falsa” — pelo qual a Rússia poderia culpar a Ucrânia.

Moscou já viu os dois Estados autoproclamados como moeda de troca. A Rússia exige que seu retorno à Ucrânia viesse com o veto sobre as principais decisões de política externa do país, principalmente a solicitação de Kiev para ingressar na Otan. Seu reconhecimento por Putin, agora – depois que a Rússia optou por não fazê-lo no passado –, aumenta a ameaça de conflito com Kiev.

O Kremlin negou seus planos de invasão, mas insistiu que o Ocidente concordasse com uma série de garantias de segurança, como proibir a Ucrânia de se juntar à Otan e retirar as tropas da Otan de membros da aliança próximos à Rússia

O que isso significa para os esforços diplomáticos para evitar a guerra entre a Rússia e a Ucrânia?

A medida sugere que Putin perdeu a fé nos esforços diplomáticos para evitar novos conflitos na Ucrânia, liderados nos últimos dias pelo presidente francês, Emmanuel Macron. O futuro dos dois Estados é visto como uma área crítica de compromisso em qualquer solução negociada e o reconhecimento parece acabar com essa possibilidade.

Dmitry Medvedev, vice-secretário do Conselho de Segurança da Rússia e ex- presidente, deixou claro nesta segunda-feira que achava que a Rússia deveria prosseguir com suas demandas, independentemente do risco de conflito e consequências. “A escalada do conflito potencial pode ser comparada com o que enfrentamos em 2008 [com a Geórgia]”, disse ele a Putin. “Mas, agora, sabemos o que vai acontecer. Ouvimos todas as ideias de sanções [do oeste]. Mas sabemos como suportar essa pressão”, disse ele.

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/02/21/ft-o-que-significa-a-deciso-de-moscou-de-reconhecer-a-independncia-de-regies-separatistas-da-ucrnia.ghtml

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