Com cada vez mais gente usando a internet para se comunicar, a busca por softwares capazes de preservar a privacidade das pessoas – e, em muitos casos, mantê-las no anonimato – nunca foi tão intensa. Os motivos variam muito: vão desde bisbilhotar secretamente a vida dos outros nas redes sociais até trocar mensagens cujo conteúdo os envolvidos querem manter longe do conhecimento público.
Tome-se o caso do Snapchat. Diariamente, cerca de 100 milhões de pessoas no mundo acessam o aplicativo, criado pela companhia americana de mesmo nome. O chamariz é que as mensagens desaparecem entre um e dez segundos depois de enviadas. O remetente escolhe o tempo que julgar necessário. Além de textos, podem ser enviados vídeos e fotos, como mostrou matéria do Valor Econômico, assinada por Gustavo Brigatto e João Luiz Rosa, na edição de 19/08.
É inevitável lembrar da série de TV “Missão Impossível”, famosa pelo jargão “essa mensagem se autodestruirá em cinco segundos”. No seriado, era desse jeito que um grupo de agentes secretos ficava sabendo dos alvos de sua próxima missão. Na vida real, o Snapchat tornou-se um canal muito usado para trocar mensagens de cunho sexual sem preocupações de que um lado exponha o outro. A prática tem até nome – “sexting” – uma mistura de “sex” e “texting”, ou seja o envio de mensagens de texto picantes.
Políticos também usam o Snapchat para trocar mensagens, mas a preferência desse público recai sobre outros dois programas – o Wickr (lê-se uíquer), de origem israelense, e o Telegram, que é russo. Em ambos, as mensagens podem ser apagadas depois de algum tempo. A diferença principal em relação ao Snapchat é a possibilidade de embaralhar os dados que trafegam pela rede, a chamada encriptação ou criptografia. Isso evita que terceiros tenham conhecimento do conteúdo da mensagem mesmo que consigam interceptá-la.
No Telegram, por exemplo, o usuário pode abrir uma sala secreta de bate-papo e convidar outras pessoas para participar da conversa. Além da criptografia, que protege a transmissão em si, o sistema providencia outros tipos de defesa: o reencaminhamento das mensagens é bloqueado e, segundo a empresa, as informações não ficam armazenadas em seus computadores centrais. No caso de uma eventual investigação formal, não haveria muito o que vasculhar na base de dados da companhia.
A promessa dos aplicativos de garantir o anonimato é polêmica. Ao mesmo tempo em que protege a privacidade – um direito fundamental, ainda mais em uma era de superexposição como a da internet -, os softwares despertam a desconfiança sobre os motivos que levam a seu uso.
O Tor, um software gratuito criado pela Marinha americana em meados dos anos 90, ganhou conotação positiva ao proteger, por exemplo, comunicações entre jornalistas e fontes de informação ou grupos dissidentes em busca de furar o bloqueio imposto por governos autoritários.
Mas o sistema também está na base da chamada “dark web”, o submundo digital onde se dissemina a pornografia infantil e o terrorismo, e ao qual só se chega usando essa tecnologia, que torna as transmissões anônimas, diz o advogado Renato Opice Blum, especializado em direito digital.
Mesmo na web comum, a que todos têm acesso, há dúvidas sobre o papel do anonimato. O Secret, de San Francisco, ganhou popularidade ao permitir que os participantes revelassem segredos – próprios ou alheios – sem se identificar. Os demais usuários também podiam comentar cada postagem. No mundo ideal, poderia ser um canal de livre manifestação de opiniões. Na prática, acabou se tornando uma ferramenta de propagação de insultos e calúnias, sem que ninguém respondesse por seus atos. O software chegou a ser proibido no Brasil, em agosto de 2014, mas a decisão judicial acabou revertida no mês seguinte. Nos 16 meses que ficou no ar, o serviço recebeu US$ 35 milhões em investimento. Um dos financiadores foi o Google Ventures, braço de capital de risco da gigante de busca. Em abril, o Secret foi desativado por seus proprietários.
Outros programas que prometem coisas semelhantes, como o Whisper, da americana WhisperText, permanecem em atividade, mas sem a mesma popularidade.
Mais recentemente, surgiram no mercado telefones celulares que funcionam como uma sala-cofre, capazes de manter as informações longe de olhares curiosos. No Blackphone, da Silent Circle, uma companhia americana de segurança digital, o próprio sistema operacional foi desenhado para criptografar ligações, mensagens e navegação na internet. Um dos recursos disponíveis emite um alerta quando detecta que uma rede WiFi não é segura.
Os grandes fabricantes de celulares ainda não ingressaram na onda, o que torna mais difícil encontrar esses aparelhos, mas já existem modelos disponíveis no Brasil. E com DNA nacional. A Sikur, uma empresa do grupo Ciberbras, também de defesa e segurança cibernética, lançou em fevereiro um modelo com recursos desse tipo, o Granitephone.
Apesar de todos os avanços tecnológicos, muitos especialistas dizem que, a princípio, nenhuma tecnologia é inexpugnável. Mesmo que o usuário apague suas pegadas digitais, uma boa investigação é capaz de identificar indícios deixados nos computadores centrais das empresas de internet. A maior barreira para achar os responsáveis não é tecnológica, mas legal.
Dependendo da legislação, é preciso uma autorização judicial para obter esses dados. O problema é que muitas empresas mantêm seus computadores em países que não são assinantes de acordos multilaterais sobre o acesso à informação. Na prática, mesmo quando avançam, as investigações se mostram infrutíferas.