O dilema alemão: forçar austeridade ou render-se à Grécia para proteger UE

O jogo ficou muito pesado. À medida que a Grécia caminha para uma colisão com seus credores no fim de junho, a chanceler alemã Angela Merkel terá que tomar uma das decisões mais difíceis de sua carreira: permitir que a Grécia não pague sua dívida ou relaxar as regras europeias para o resgate grego, correndo o risco de provocar uma revolta em casa.

A rejeição da Grécia aos termos exigidos por seus credores para um pacote de ajuda – reiterada pelo primeiro- ministro grego Alexis Tsipras de forma dura ontem – aponta para um provável confronto na conferência da União Europeia em 25 de junho, ou até dias antes, onde ou a líder alemã ou o líder grego terá de mudar radicalmente de postura para manter o programa de socorro da Grécia em curso, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por Marcus Walker, publicada no Valor de 16/06, pg A9

Durante meses, Merkel procurou convencer Tsipras que a Grécia só receberia ajuda financeira da Europa se o país adotasse um programa severo de austeridade e reformas econômicas aprovadas pelos inspetores da UE e do Fundo Monetário Internacional. Mas o governo alemão está cada vez mais resignado à possibilidade de que Tsipras continue rejeitando esses termos até que seja tarde demais.

Sem um recuo drástico de último minuto da Grécia, Merkel deve ser forçada, em breve, a fazer a escolha com a qual Tsipras vem tentando confrontá-la o ano todo: relaxar as reformas exigidas à Grécia ou potencialmente colocar em risco a estabilidade europeia.

A chanceler abomina a ideia de a Grécia entrar em moratória e ter de deixar a zona do euro, dizem autoridades alemãs – e os líderes da Grécia sabem disso. Famosa por sua cautela, a líder alemã acredita que as consequências disso são economicamente imprevisíveis, geopoliticamente prejudiciais e nocivas ao seu próprio legado. Mas, concordar em financiar um governo grego que refuta o remédio econômico de seus credores, que Merkel afirma há anos ser essencial para a Grécia crescer e pagar suas dívidas, enfraqueceria sua credibilidade em casa e na Europa, dizem autoridades alemãs.

Os pontos conflitantes da negociação estão atados aos termos fiscais de uma nova ajuda financeira para Atenas que seria concedida por governos da zona do euro e o FMI. Os credores estão exigindo que a Grécia concorde em cortar benefícios previdenciários e outros gastos públicos em troca da ampliação da ajuda financeira para além de 30 de junho. Avessos à austeridade, o partido Syriza e o país que ele governa querem acabar com tais medidas, acreditando que elas só aprofundaram a depressão econômica da Grécia desde que o programa de socorro começou, em 2010.

As contrapropostas gregas incluem corte nos gastos, aumento de impostos e reformas econômicas mais amplas. Mas os credores, especialmente a Alemanha e o FMI, acreditam que essas medidas não são suficientes para colocar a economia e as finanças da Grécia em uma situação estável no longo prazo.

No início de junho, Merkel arquitetou uma oferta final do FMI e de instituições europeias para a Grécia, apresentando as metas orçamentárias e reformas políticas que Atenas deveria aceitar. Os credores consideram a oferta o mínimo necessário para atingir a meta do resgate: tornar a Grécia capaz de se financiar nos mercados de dívida novamente.

Tsipras reiterou sua rejeição à oferta ontem. “É possível até suspeitar de motivos políticos por trás da insistência das instituições em mais cortes na previdência, apesar de cinco anos de pilhagem através da agenda [do resgate financeiro]”, disse o premiê grego. “Estamos defendendo tanto a dignidade do nosso povo quanto os desejos dos europeus”, disse Tsipras, aludindo à crença do Syriza de que sua campanha antiausteridade é para o bem de toda a Europa.

O discurso elevou a crescente preocupação em Berlim sobre as chances de se chegar a um acordo até a semana que vem. Sem um acordo até o fim de junho, a Grécia provavelmente não pagará sua dívida com o FMI, poderá perder o apoio do banco central para dar liquidez aos bancos e – dependendo do pânico dos poupadores gregos – poderá ter que impor controles de capital e sobre os depósitos. Uma escassez de euros pode levar a Grécia a ter de imprimir promissórias para pagar as pensões e salários e manter seu sistema bancário vivo, o que pode levar rapidamente à adoção de uma moeda nacional.

Mesmo um acordo no fim de junho só abriria o caminho para mais confrontos sobre medidas que a Grécia precisaria implementar para conseguir dinheiro e evitar uma moratória de um grande volume de títulos soberanos que vencem entre 20 de julho e 20 de agosto.

Políticos alemães de todas as facções estão furiosos com o que consideram tentativas irresponsáveis da Grécia de chantagear Merkel. Sigmar Gabriel, vice-chanceler e líder do Partido Social-Democrata, que é de centro-esquerda e faz parte da coalisão conservadora de Merkel, alertou ontem que a Grécia está testando a paciência da Europa até um ponto de ruptura.

Se o governo liderado pelo Syriza forçar Berlim a ceder à pressão, será um convite para que políticos populistas da direita tentem chantagear a Europa também, escreveu Gabriel.

Tsipras, por sua vez, disse que a Grécia esperaria pacientemente até a UE e o FMI “aderirem ao realismo”.

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