Novo choque de gás e petróleo eleva o risco de estagflação

O aumento dos preços do petróleo e do gás desencadeado pelo conflito na Ucrânia e por iniciativas do Ocidente para punir Moscou fortaleceu a ameaça de as economias importadoras sofrerem o mais grave choque de estagflação desde a década de 1970.

Os preços do petróleo voltaram a subir ontem após os EUA anunciarem uma proibição de importação de petróleo da Rússia, que é o segundo maior produtor mundial. Ainda ontem, autoridades da União Europeia divulgaram planos para reduzir a dependência do bloco em relação ao petróleo e ao gás russos. 

Muitos especialistas duvidam se a economia mundial, e a da Europa em especial, tem força suficiente para escapar de uma nova crise do petróleo e uma nova recessão. 

“A recuperação pós-covid certamente será significativamente retardada, com um risco claro de que poderemos estar nos encaminhando para um período de estagflação – se não, até mesmo, para uma recessão com inflação”, afirmou o assessor econômico Erik Nielsen, do UniCredit. 

As menções à possibilidade de estagflação – a combinação de crescimento estagnado com inflação alta – evocam lembranças dos dois choques do petróleo da década de 1970, quando os preços dispararam após os países árabes adotarem um embargo ao petróleo, em 1973, contra países que tinham apoiado Israel na Guerra do Yom Kippur e, em 1979, após a Revolução Iraniana. 

O problema para os governos ocidentais tem sido a possibilidade de o aumento dos preços dos produtos energéticos estar ajudando Moscou indiretamente a fazer frente às duras sanções impostas por esses mesmos governo como reação à invasão da Ucrânia. 

“Os elevados preços do petróleo diminuem os custos ou punições previstos por mau comportamento [por parte da Rússia] e constituem um seguro parcial contra um comportamento de alto risco”, disse Cullen Hendrix, pesquisador-visitante-sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional. 

Mas as conjecturas sobre um embargo a exportações russas já tinham feito com que o preço do petróleo e do gás disparasse para níveis ainda mais elevados. As cotações do petróleo deram um salto de 20% no pregão da manhã de segunda, para mais de US$ 139 o barril, e os preços do gás europeu no atacado alcançaram € 335 o megawatt/hora, em relação ao valor de cerca de € 16 vigente cerca de um ano atrás. Ontem, os preços voltaram a subir. Aumentos prolongados desse nível elevarão acentuadamente a inflação e apertarão a renda do consumidor. 

Os países da União Europeia (UE) importam da Rússia 40% do gás que consomem, enquanto Moscou fornece também, já há vários anos, cerca de 10% do petróleo consumido no mundo. 

Alguns economistas disseram que custos dos produtos energéticos prolongadamente elevados para empresas e famílias consumidoras tendem a levar as economias europeias à recessão. 

Rupert Harrison, gestor de carteira de investimentos da BlackRock e que foi assessor econômico do ex-ministro das Finanças do Reino Unido George Osborne, disse que serão necessários “enormes” subsídios à energia, pois uma “tentativa séria de restringir rapidamente importações russas de produtos energéticos corre o risco de causar uma recessão europeia”. 

Os choques do petróleo da década de 1970 desencadearam inflação e recessão violentas em muitas economias avançadas, principalmente porque o aumento dos preços do petróleo redistribui a renda global dos países importadores para os produtores de energia. 

Por esse motivo, economistas preveem que Europa, Japão e países emergentes importadores de petróleo serão, novamente, os mais duramente atingidos, enquanto os EUA poderão aumentar a produção interna de petróleo. 

Os consumidores americanos de produtos energéticos, no entanto, serão prejudicados no mesmo grau, se não em um grau ainda maior, do que os da Europa, porque os níveis de taxação são um fator menos importante sobre os preços da gasolina americana. Ou seja, os europeus podem reduzir mais os preços cortando impostos. 

Alguns produtores africanos de petróleo já preveem se beneficiar da crise da Ucrânia. A Câmara Africana de Energia previu um “afluxo de investimentos” para este ano. 

Nem todos os economistas, no entanto, preveem uma recessão para a Europa, apesar de as forças estaglacionárias terem atingido novos patamares de alta. 

A dinâmica de recuperação subjacente das economias europeias ainda está robusta, apesar dos aumentos de preços. A Alemanha registrou fortes vendas no varejo e de encomendas às fábricas em janeiro, o que chama a atenção para o quanto qualquer fragilidade relacionada à Ucrânia será inicialmente neutralizada por uma sólida demanda da parte do consumidor. 

Mesmo que alguns países possam enfrentar trimestres de contração, muitos economistas dizem que os preços mais altos da energia reduzirão o crescimento, mas sem empurrar a zona do euro para uma recessão prolongada neste ano, principalmente se os preços praticados nesta semana registrarem uma ligeira moderação. 

Ao reduzir seu prognóstico de crescimento da zona do euro em 1 ponto percentual, o economista-chefe da Capital Economics, Neil Shearing, disse: “Não prevemos que a recuperação pós-pandemia [europeia] seja solapada”. Mas a consultoria alertou que, se for adotada uma proibição total à energia russa, a economia da zona do euro não conseguirá evitar a recessão. 

Em seu cenário de deterioração da situação, a Oxford Economics considera que a produção na zona do euro será 3,2 pontos menor em relação a um cenário “sem guerra” no ano que vem, mas que, mesmo com esse baque, ainda estima um crescimento de 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para a zona do euro em 2022 e de 0,9% em 2023. 

O maior grau de otimismo tem como base fatores que restringem o potencial de danos e as forças estaglacionárias. O primeiro é que a dependência do petróleo é muito menor agora do nas crises de oferta anteriores. O mundo atualmente consegue produzir mais que o dobro de bens e serviços para cada barril de petróleo do que em 1973. O progresso nas economias avançadas nesse sentido foi ainda maior. 

Em estudo sobre quanto as economias são intensivas em petróleo, Christof Rühl, pesquisador-sênior do Centro de Política Mundial de Energia da Universidade Columbia, de Nova York, disse que guerras, revoluções, surtos de crescimento e crises não conseguiram interromper a firme queda do volume de petróleo necessário para gerar produção na economia. 

“O petróleo se tornou muito menos importante, e a humanidade aumentou sua eficiência em fazer uso dele”, disse. 

Além da redução do uso intensivo de produtos energéticos, os preços do petróleo estão ainda menores do que no pico do fim da década de 1970 (veja gráfico acima). quando corrigidos pela inflação. 

O segundo fator é que economistas preveem que os governos, com o apoio dos bancos centrais, neutralizarão os efeitos da alta dos preços da energia resultante das sanções com um novo pacote extraordinário de ajuda fiscal. 

Ao formular novas projeções para a economia mundial, Jagjit Chadha, diretor do britânico National Institute of Economic and Social Research, previu que a alta dos preços da energia reduzirá o nível do PIB mundial em só 1 ponto até o fim de 2023, mas com efeitos bem maiores sobre a Europa. 

Mesmo nesse período, ele não prevê uma recessão. “Projetamos um aumento dos gastos públicos para respaldar o enorme afluxo de refugiados em busca de asilo vindos da Ucrânia e para aumentar os gastos militares, o que restringirá os efeitos adversos sobre o PIB europeu”, disse Chadha. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/03/09/novo-choque-de-gas-e-petroleo-eleva-o-risco-de-estagflacao.ghtml

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