Nos EUA, grandes companhias foram o “maior perdedor”

Não importa quem tenha vencido as eleições presidenciais dos EUA, os interesses das grandes empresas sairão perdendo.

Os dois partidos principais e seus candidatos não concordaram em quase nada durante um ano de intensa briga partidária. Mas Donald Trump e Hillary Clinton se uniram no ataque à influência e às motivações das grandes corporações e na crítica aos méritos do livre comércio, como mostrou material do The Wall Street Journal, assinada por Nick Timiraos, publicada no Valor de 9/11

Esses ataques fomentaram atitudes populistas tanto na direita quanto na esquerda e expuseram um sentimento profundo de insatisfação de uma grande fatia do eleitorado americano.

Daqui para frente, os dois partidos enfrentarão um cenário que tem deixado os interesses corporativos tradicionais para trás. Há quatro anos, os líderes empresariais torceram para que as eleições acabassem com o impasse que paralisou a formulação de políticas em Washington. Agora, muitos desses mesmos executivos veem um governo dividido, que mantenha o impasse, como o cenário mais positivo para seus negócios.

Um teste inicial acontecerá no Congresso imediatamente após a eleição, quando o presidente Barack Obama deve tentar aprovar a Parceria Transpacífico (TPP). Depois disso, os legisladores e grupos políticos externos podem se mostrar mais rigorosos na análise do currículo dos indicados para a equipe de governo, dadas as exigências de que o novo presidente garanta assessores suficientemente independentes dos setores que seus órgãos vão fiscalizar.

Numa ruptura com a posição normal do partido, foi um candidato republicano quem desferiu os ataques mais agressivos às grandes empresas e indústrias. Nos últimos dias de sua campanha, Trump intensificou suas críticas às corporações “globalistas”, que ele acusa de promover políticas comerciais que levaram fábricas para o exterior e corroeram os salários dos trabalhadores americanos.

Em propaganda veiculada nacionalmente pela TV no fim de semana, o empresário Trump denunciou uma “estrutura global de poder” que tem “roubado nossa classe trabalhadora e acabado com a riqueza de nosso país, colocando o dinheiro nos bolsos de um punhado de grandes empresas”.

Do lado democrata, Hillary prometeu elevar os impostos dos americanos mais ricos e das empresas e defendeu uma série de novas obrigações para as empresas. “Vou onde o dinheiro está, e o dinheiro está com os ricos e com as empresas porque eles se saíram muito bem nos últimos 15 anos”, disse Hillary no domingo, em Cleveland. “E eles devem pagar uma contribuição justa para sustentar nosso país.”

Hillary prometeu várias vezes bloquear o acordo comercial do Pacífico, patrocinado pelo democrata Obama e por congressistas republicanos. Ela tem sido pressionada pela esquerda a expandir direitos, elevar o salário mínimo para US$ 15 por hora e regular Wall Street mais agressivamente – dando um passo à esquerda de Obama e se afastando da trajetória centrista seguida por seu marido, o ex-presidente Bill Clinton.

Se Hillary Clinton ganhar, “a questão é se ela será o terceiro mandato de Bill Clinton ou o terceiro mandato de Barack Obama”, diz John Catsimatidis, empresário bilionário que disputou a prefeitura de Nova York pelo Partido Republicano, em 2013, sem sucesso. Ele diz esperar que Hillary procure espaços para negociar com os republicanos no Congresso.

Qualquer que seja o resultado das eleições, os executivos dizem que estão esperando o fim do processo eleitoral para que as empresas possam ter mais clareza com relação às políticas de governo.

Após uma campanha “turbulenta”, “as empresas estão basicamente paradas e esperando para ver o que vai acontecer, antes de tomarem uma decisão sobre grandes compromissos de capital”, disse Craig Arnold, diretor-presidente do conglomerado industrial Eaton Corp., em uma conferência de resultados na semana passada.

Analistas dizem que uma melhora da economia, depois da eleição, pode ajudar a reduzir o sentimento contra as empresas. Embora a economia não tenha tido a expansão fabulosa que muitos economistas esperavam, ela ainda teve um desempenho melhor que a de outros grandes países ricos depois da crise financeira de 2008.

O desemprego ficou abaixo de 5% na maior parte dos últimos 12 meses. Os preços baixos do petróleo trouxeram alívio aos consumidores americanos e impulsionaram as vendas de carros. Embora o mercado imobiliário esteja em melhor forma desde o estouro da bolha imobiliária, a alta dos aluguéis e dos preços dos imóveis colocou mais pressão nos inquilinos.

Um crescimento econômico mais forte deve levar o Federal Reserve, o banco central americano, a aumentar os juros em sua próxima reunião de política monetária, em dezembro. “O fato de a economia parecer estar se fortalecendo é significativo. Se a economia continuar a melhorar, a agitação populista pode diminuir”, diz Greg Valliere, diretor global de estratégia da gestora Horizon Investments.

A maioria das pesquisas indica que os republicanos manterão o controle da Câmara dos Deputados, o que pode dar à indústria uma proteção contra impostos maiores ou outras leis voltadas para as empresas, como um aumento federal do salário mínimo.

“A Câmara ainda é uma casa muito favorável às empresas”, diz Valliere, para quem a onda populista dos últimos 12 meses pode ter sido “muita fumaça e pouco fogo”.

Outros executivos dizem que se preocupam com o efeito cumulativo de novas regulamentações, das horas extras ao meio ambiente. Considerando o poder executivo de nomear reguladores e criar leis, “ter um Congresso ajuda, mas não muito”, diz Andy Puzder, diretor-presidente da CKE Restaurants e consultor de Trump.

A eleição pode ainda levar a uma briga maior sobre o futuro do Partido Republicano e o papel da grande indústria. A ascensão de Trump reflete a visão de muitos eleitores republicanos de que seus líderes colocam os interesses de seus doadores em primeiro lugar.

“Não há muita diferença entre uma pequena empresa e os trabalhadores. Eles não sentem que têm voz no funcionamento do país”, diz Jim Farrell, dono de empresa de equipamentos de construção no Alabama, que apoia Trump.

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